20 de março de 2011

Fraternidade e a vida no planeta

Cardeal Eugenio de Araujo Sales

Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro


A Campanha da Fraternidade, um dos grandes acontecimentos vivenciados pela Igreja, foi aberta oficialmente pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, com a mensagem do Santo Padre Bento XVI na quarta-feira de cinzas. Recordando o tema deste ano, “Fraternidade e a Vida no Planeta”, e o lema, “A criação geme em dores de parto”, o Papa nos convida a refletirmos sobre a causa de tais gemidos, entre eles “o dano provocado na criação pelo egoísmo humano”. E continua, “é igualmente verdadeiro que a ‘criação espera ansiosamente a revelação dos filhos de Deus’ (Rm 8,19). Assim como o pecado destrói a criação, esta é também restaurada quando se fazem presentes ‘os filhos de Deus’, cuidando do mundo para que Deus seja tudo em todos (cf. 1Cor 15,28)”.

Para o Santo Padre, o homem deve reconhecer a sua condição de criatura e procurar tornar-se mais sensível à presença de Deus. Isto ocorrerá “na medida em que tiver no seu espírito um sentido pleno da vida” em todos os níveis. Diz o papa: “Sem uma clara defesa da vida humana, desde sua concepção até a morte natural; sem uma defesa da família baseada no matrimônio entre um homem e uma mulher; sem uma verdadeira defesa daqueles que são excluídos e marginalizados pela sociedade, sem esquecer, neste contexto, daqueles que perderam tudo, vítimas de desastres naturais, nunca se poderá falar de uma autêntica defesa do meio-ambiente”.

A exortação do Papa Bento XVI é a grande motivação para a Campanha da Fraternidade, cujas origens remontam à cidade de Nísia Floresta – Arquidiocese de Natal -, no ano de 1962. Assumida oficialmente pela CNBB em 1964, sua 47ª edição tem como objetivo criar uma consciência coletiva em torno da mensagem cristã e o meio-ambiente. Possui um sentido prevalentemente religioso, e tal não poderia deixar de ser já que o dever primordial da Igreja é anunciar o Cristo. Mas nela há também um indispensável cunho social, uma vez que, sem a necessária encarnação na realidade, o ideal cristão permaneceria estéril.

O conteúdo bíblico da Campanha da Fraternidade deste ano não dá lugar a reducionismos, nem os de cunho espiritualizante e desencarnado, nem os de matiz ideológico e político. Cristo vem trazer a verdade integral que deve animar a pessoa humana, que é chamada a demonstrar responsavelmente a sua pertença a Deus, o amor ao próximo e à criação. E deve fazê-lo, consciente da realidade em que se encontra, abrindo-se à conversão e deixando que isso repercuta de maneira positiva.

Profundamente bíblica é a relação do homem com a natureza, a ser preservada e utilizada para o bem comum. O egoísmo leva a destruí-la em favor de poucos, opondo-se, pois, aos desígnios divinos. Em outros termos, rouba quem destrói, em proveito próprio, o que é de todos. Diz o Salmista: “Os céus pertencem a Deus, mas a terra Ele a deu aos filhos de Adão” (Sl 115,16). Todo o universo pertence a Deus e deve louvá-Lo. A nós foi confiada a missão de dominá-lo: “Enchei e dominai a terra” (Gn 1,28).

Cristo, em suas pregações, amiudadas vezes, emprega imagens do campo, das flores, árvores, o meio circundante. Sublinha os liames entre o ser humano e o resto da criação, a fim de nos revelar que o meio onde vivemos é um símbolo da realidade eterna. São Paulo, do mesmo modo, assemelha a libertação material à futura. Assim, a devastação ecológica contraria os ensinamentos da Sagrada Escritura. Em consequência, o cristão não pode permanecer indiferente ao que ocorre nesta área.

Frequentemente, os meios de comunicação social nos transmitem gritos de alarme como: rios poluídos, onde a vida se tornou impossível; ar viciado por detritos, efeito de uma industrialização sem as devidas cautelas; em resumo, a falta de um compromisso que nos conduza à preservação do que pertence à comunidade.

Faz parte da consciência cristã e coletiva a ação concreta, fruto da Fé. Por isso, seria enfraquecer a Campanha da Fraternidade reduzi-la a um momento forte de pregação. Este ano, além da coleta realizada no Domingo de Ramos em todas as Dioceses, à qual devemos contribuir como gesto concreto, faz-se mister uma urgente tomada de consciência de toda a sociedade em prol da vida do planeta. É o que expressa o Santo Padre em sua Mensagem: “o dever de cuidar do meio-ambiente é um imperativo que nasce da consciência de que Deus confia a Sua criação ao homem não para que este exerça sobre ela um domínio arbitrário, mas que a conserve e cuide como um filho cuida da herança de seu pai”.

O texto-base, divulgado pela CNBB, além de apontar diversas atitudes que podem ser tomadas com o objetivo de preservar a vida no planeta, “faz uma análise da realidade procurando estabelecer as causas do aquecimento global e das mudanças climáticas. Toca na relação que há entre o aquecimento e as mudanças climáticas; alerta para a ameaça à biodiversidade e para o risco da escassez de água no planeta”.

 



13 de março de 2011

Artigos interessantes sobre fé e ecologia publicados pela Agência Zenit

. Lazer, ecologia e trabalho segundo São Josemaría Escrivá:
https://pt.zenit.org/articles/lazer-ecologia-e-trabalho-segundo-sao-josemaria-escriva/

. Jornada Mundial da Juventude 100% não poluente:
http://www.zenit.org/article-27460?l=portuguese

. Ecologia é preocupação antiga da CNBB, afirma bispo:
http://www.zenit.org/article-27457?l=portuguese

. “Caritas in veritate”, manual de sobrevivência para século 21:
http://www.zenit.org/article-27397?l=portuguese

. Debate sobre meio ambiente é componente importante da cidadania:
http://www.zenit.org/article-27412?l=portuguese

. Orientações para o Sínodo sobre a nova evangelização - Santa Sé publica os “Lineamenta (ver Orientação nº. 21 - O objetivo de uma “ecologia da pessoa humana”):
http://www.zenit.org/article-27423?l=portuguese




Desenvolvimento sustentável: ser humano não é um obstáculo...

As pessoas humanas deveriam ser consideradas o objetivo do desenvolvimento, ao invés de um obstáculo para ele, segundo o delegado da Santa Sé nas Nações Unidas. Na segunda-feira passada, Charles Clark, professor de economia da Universidade St. John, dirigiu-se ao 2º. Comitê Preparatório da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, em nome do Arcebispo Francis Chullikatt, observador permanente da Santa Sé nas Nações Unidas. Os encontros estão sendo realizados como preparação para a Conferência de Desenvolvimento Sustentável Rio+20, que terá lugar de 4 a 6 de junho de 2012, no Rio de Janeiro, no 20º aniversário da Cúpula da Terra, de 1992.

Clark disse que, "para alcançar o objetivo ‘economia verde, desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza', minha delegação está confiante em que não esqueceremos que a finalidade do desenvolvimento é o desenvolvimento humano integral e que todas as nossas estratégias e práticas devem ser julgadas com base nessa norma: que o ser humano é e deve continuar sendo a nossa principal preocupação. Se os humanos, em sua plena humanidade, não são considerados como o objetivo final do desenvolvimento, conforme acordado no Rio há 20 anos, então tememos que os seres humanos sejam, para muitos, como o primeiro obstáculo para o desenvolvimento", advertiu.

O delegado acrescentou que "estamos certos de que estes seres humanos serão: os pobres, os marginalizados, aqueles que causam incômodo, aqueles que ainda não nasceram e aqueles que, devido à sua deficiência, idade ou doença, são incapazes de se defender". E observou que "muitas das estratégias de desenvolvimento e políticas que não conseguiram promover um desenvolvimento humano integral no passado, fracassaram porque os seres humanos foram reduzidos a uma sombra de sua humanidade".

"Por um lado, dizem-nos que o egoísmo e a cobiça são os únicos controladores da conduta humana, e que os ‘mercados livres' são o que é preciso para converter o vício privado em virtude pública. Por outro lado, dizem-nos que a natureza humana é o que a sociedade produz, dando-nos uma estratégia de desenvolvimento que focaliza as estruturas e instituições, esperando que as instituições de direito sejam suficientes para promover o desenvolvimento".

Toda a verdade

O gestor admitiu que "cada opinião tem uma parte da verdade: os seres humanos muitas vezes se deixam levar ​​pelos próprios interesses, e as instituições sociais formam, em grande medida, os comportamentos e ações humanos, mercados e políticas de governo, ambos com o potencial de promover o bem comum. Entretanto, a humanidade não pode ser reduzida aos egoísmos individuais ou construções sociais. Um entendimento completo do que significa o ser humano também deve incluir a solidariedade básica, que é parte necessária da nossa humanidade, coerente com a dignidade fundamental de cada pessoa e que pede justiça", afirmou.

"Uma economia não baseada em uma ética que tenha como centro as pessoas e a moralidade, certamente instrumentará as riquezas da terra para o benefício dos ricos e poderosos. Os indicadores sociais e ambientais, que podem ser ferramentas importantes para ajudar a promover um autêntico desenvolvimento humano, na hora de elaborar estatísticas e falsos objetivos, dão a aparência de progresso, mas não refletem a realidade do verdadeiro progresso. Ou pior, podem tornar-se pretextos para sacrificar os direitos humanos e agredir a dignidade humana, tudo a partir de uma visão distorcida do bem comum".

"O desenvolvimento real não pode ser produzido apenas por mudanças em estruturas de mercado ou de incentivos - disse o delegado. Igualmente importante é a mudança necessária nos nossos corações e mentes, bem como em nossos atos subsequentes".


Fonte: http://www.zenit.org/article-27464?l=portuguese

9 de março de 2011

Bento XVI: Respeitar a natureza implica reconhecer condição de criatura

Por Alexandre Ribeiro

O Papa enviou uma mensagem à Igreja no Brasil nesta Quarta-Feira de Cinzas, quando inicia no país a tradicional Campanha da Fraternidade, que todo ano visa a despertar a solidariedade dos católicos e da sociedade em relação a um problema concreto. Este ano discute-se durante a Quaresma o tema “Fraternidade e vida no Planeta”.

Na mensagem enviada ao presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), Dom Geraldo Lyrio Rocha, Bento XVI expressou sua “viva satisfação” em se unir “uma vez mais, a toda Igreja no Brasil que se propõe percorrer o itinerário penitencial da quaresma, pedindo a mudança de mentalidade e atitudes para a salvaguarda da criação”.

Citando o lema da Campanha – "A criação geme em dores de parto" – o Papa afirmou que se pode “incluir entre os motivos de tais gemidos o dano provocado na criação pelo egoísmo humano. Contudo" – prosseguiu o pontífice –, "é igualmente verdadeiro que a ‘criação espera ansiosamente a revelação dos filhos de Deus. Assim como o pecado destrói a criação, esta é também restaurada quando se fazem presentes ‘os filhos de Deus’, cuidando do mundo para que Deus seja tudo em todos”.

Bento XVI indicou que o primeiro passo para “uma reta relação com o mundo que nos circunda é justamente o reconhecimento, da parte do homem, da sua condição de criatura. O homem não é Deus, mas a Sua imagem; por isso, ele deve procurar tornar-se mais sensível à presença de Deus naquilo que está ao seu redor: em todas as criaturas e, especialmente, na pessoa humana há uma certa epifania de Deus. O homem só será capaz de respeitar as criaturas na medida em que tiver no seu espírito um sentido pleno da vida; caso contrário, será levado a desprezar-se a si mesmo e àquilo que o circunda, a não ter respeito pelo ambiente em que vive, pela criação”, afirma o Papa.

Segundo Bento XVI, a primeira ecologia a ser defendida é a "ecologia humana". Também explicou que nunca se poderá falar de uma autêntica defesa do meio ambiente “sem uma clara defesa da vida humana, desde sua concepção até a morte natural; sem uma defesa da família baseada no matrimônio entre um homem e uma mulher”. Como também, “sem uma verdadeira defesa daqueles que são excluídos e marginalizados pela sociedade, sem esquecer, neste contexto, daqueles que perderam tudo, vítimas de desastres naturais”.

De acordo com o Papa, o dever de cuidar do meio-ambiente “é um imperativo que nasce da consciência de que Deus confia a Sua criação ao homem não para que este exerça sobre ela um domínio arbitrário, mas que a conserve e cuide como um filho cuida da herança de seu pai, e uma grande herança” confiada por Deus.


CF 2011: Creio em Deus, Pai Criador

Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer
Arcebispo metropolitano de São Paulo



A Campanha da Fraternidade de 2011 (CF-2011) propõe uma questão de evidente atualidade: fraternidade e a vida no nosso Planeta. Nem é preciso argumentar muito para justificar a escolha desse tema pela CNBB: já faz tempo que estudiosos estão alertando para o fenômeno do aquecimento global e suas consequências para o clima e para o equilíbrio ecológico.

As conferências mundiais sobre o clima, que congregam as maiores autoridades científicas da área, deixam sempre mais evidente que o sistema produtivo da economia moderna e contemporânea desencadeia intervenções inadequadas do homem na natureza e se constitui numa ameaça real para o equilíbrio ecológico e até mesmo para o futuro da vida na terra. Em contraste com tais constatações, nas mesmas movimentadas conferências sobre o clima, as principais autoridades políticas e econômicas do planeta não conseguem chegar a um acordo sobre as medidas a serem adotadas para sanar o problema e prevenir os riscos.

É difícil redimensionar o desenvolvimento econômico, quando a receita é renunciar a certo padrão de consumo dos recursos naturais, que equivale à depredação e depauperamento da natureza. Exigimos da natureza mais do que ela pode oferecer, sem comprometer a sua sustentabilidade.

A CF-2011 convida a encarar seriamente a responsabilidade humana em relação ao futuro da vida no planeta Terra, o “ninho da vida” no universo, a casa comum da grande e diversificada família humana. O Texto Base, que apresenta a proposta da CF, traz argumentos e reflexões sobre o fenômeno do aquecimento global e os motivos que deveriam levar todos a pensar sobre o que é possível fazer e o que não se deveria fazer, para evitar a deterioração do ambiente da vida na Terra.

Argumentos bíblicos e teológicos deveriam motivar os cristãos e todos os crentes em Deus a uma verdadeira conversão nos modos de viver e de se relacionar com a natureza, quando ficam comprometidas a qualidade da vida e a fraternidade na família humana. Todos são convidados a se envolverem na CF-2011.

Destaco dois motivos de fundo religioso, que deveriam ser levados em conta por todas as pessoas de fé no tocante à questão ecológica. Primeiramente, tratar bem a natureza e cuidar do pedaço do planeta que ocupamos está implicado na nossa fé no Deus Criador. Professamos a fé no Deus, Criador do Céu e da Terra, não importa como, ou quando isso aconteceu. A ciência pode continuar a pesquisar sobre a origem do universo e da vida na Terra e isso não contradiz a nossa fé no Deus Criador. O certo é que não fomos nós que demos origem a toda essa beleza e grandiosidade. Dizer que tudo isso surgiu por si mesmo é um grande absurdo.

Mas também aprendemos da nossa fé que Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, confiando-lhe o cuidado do “jardim da vida”. Embora pequeninos entre as criaturas do grande universo, somos importantes e Deus nos trata com predileção especial. O poeta do Salmo tem consciência disso, quando exclama, admirando o céu numa noite estrelada: “Que é o homem, Senhor, para que dele te ocupes?! No entanto, Tu o fizeste pouco menor que um deus... Tu o colocaste à frente da obra de tuas mãos!” (cf Sl 8). Sim, Deus colocou o mundo à disposição do homem; não para que acabe com ele, e sim, para que dele viva e usufrua, mas também para que zele por ele, qual bom administrador.

Cuidar bem da natureza é sinal de fé e de gratidão para com o Deus Criador. Avançar sobre a natureza com a vontade de possuir e dominar é cair novamente na tentação de “ser deuses”, como Adão e Eva no paraíso (cf Gn 3). Quando o homem resolve assumir o lugar de Deus, desprezando seu desígnio, a desordem e o caos entram no mundo, com seus frutos de injustiça, violência e morte.

O outro motivo, relacionado com o primeiro, é de fundo ético e moral: cuidar bem da Terra, nossa casa comum, é questão de responsabilidade e solidariedade. Os bens da criação foram colocados por Deus à disposição de todas as suas criaturas; descuidar da natureza, ou estragá-la, é falta de respeito e de justiça para com o próximo e para com as futuras gerações.

Não somos os únicos a ocupar esta casa, nem seremos os últimos; e é moralmente correto pensar nos outros, quando nos relacionamos com a natureza. Não ficará bem deixar atrás de nós um paraíso depredado, o mundo cheio de lixo, as terras desertificadas, as águas contaminadas, o ar irrespirável, o equilíbrio ecológico comprometido... A CF-2011 é um convite a refletir, para formar uma consciência comum sobre nossa responsabilidade e para tomar decisões eficazes sobre os cuidados que a Terra merece. É nossa casa comum. E ainda será a casa dos que viverão depois de nós.




E dez anos depois, nada mudou... (16.12.2021).