Resgato esta antiga homilia porque amo a aparente simplicidade de Francisco e porque ser católica(o) vai muito além do que é exterior. A imagem da figueira e a da videira florida são curiosas porque além de serem espécies diferentes, ambas possuem particularidades de seu desenvolvimento que compartilham o ato de "entranhar-se" com o meio, para "o bem e para o mal".
A figueira é a primeira planta descrita na Bíblia - "Então, os seus olhos abriram-se; e, vendo que estavam nus, tomaram folhas de figueira, ligaram-nas e fizeram tangas para si" (Gen 3, 7) - e para existir, precisa de um ato de sacrifício de um tipo específico de vespa. Cresce firme e forte, mas apenas uma família produz frutos comestíveis e representa, de certa forma, nosso permanecer no mundo "desligados" de Deus.
Já a videira para frutificar, precisa aguentar o rigor invernal para rebrotar os sarmentos a partir dos nutrientes estocados no ano anterior. Seu passado guiará o seu presente e uma vez gasta a energia acumulada para o rebrotamento, deve extrair do solo os nutrientes necessários para continuar o seu desenvolvimento, de forma que o agricultor é quem guia a sua existência.
A brotação dos ramos não é uniforme, assim como a distribuição de nutrientes, o que implica nas diferentes fases de amadurecimento dos cachos para a colheita. Alguns cachos possuem desenvolvimento acelerado, outros demoram por mais tempo e ainda existem os tardios; mas todos são cachos bons da mesma videira. O agricultor cuida da videira que cuida de seus ramos para que estes frutifiquem.
"Acaso, meus irmãos, pode a figueira dar azeitonas ou a videira dar figos? Do mesmo modo a fonte de água salobra não pode dar água doce" (Tg 3, 12). Já experimentou água salobra? É aquela que poderia ser doce, mas por motivos diversos houve uma intrusão salina excessiva que a fez deixar de ser potável... Também ser sal no mundo difere de ser insossa(o) ou salgada(o) em demasia.
Isto tudo te lembra de algo em sua caminha da espiritual? Boa leitura!
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O Senhor volta para “permanecer nele”, e diz-nos: “A vida cristã é permanecer em mim”. Permanecer. E aqui usa a imagem da videira, como os ramos permanecem na videira (cf. Jo 15, 1-8). E este permanecer não é passivo, um adormecer no Senhor: seria talvez um “sono beatífico”; mas não é assim. Este permanecer é ativo e também recíproco. Porquê? Porque Ele diz: «Permanecei em mim e Eu em vós» (v. 4).
Ele também permanece em nós, não só nós nele. Trata-se de um permanecer recíproco. E noutro trecho diz: «Eu e o Pai viremos a ele e habitaremos nele» (Jo 14, 23). É um mistério, mas um mistério de vida, um mistério muito bonito. Este permanecer recíproco. E também com o exemplo dos ramos: é verdade, sem a videira os ramos nada podem fazer, pois não recebem a seiva, e precisam da seiva para crescer e dar fruto. Mas também a árvore, a videira, precisa dos ramos, porque os frutos não estão ligados à árvore, à videira. É uma necessidade recíproca, é um permanecer mútuo para dar fruto.
E esta é a vida cristã: é verdade, a vida cristã consiste em cumprir os mandamentos (cf. Êx 20, 1-11), é isto que se deve fazer. A vida cristã consiste em percorrer o caminho das bem-aventuranças (cf. Mt 5, 1-13): é assim que se deve fazer. A vida cristã consiste em fazer obras de misericórdia, como o Senhor nos ensina no Evangelho (cf. Mt 25, 35-36): é assim que se deve fazer. Mas ainda mais: é este permanecer recíproco.
Sem Jesus nada podemos fazer, como os ramos sem a videira. E Ele - que o Senhor me permita dizê-lo - sem nós parece que nada pode fazer, pois o fruto é dado pelo ramo, não pela árvore, pela videira. Nesta comunidade, nesta intimidade de “permanecer” que é fecunda, o Pai e Jesus permanecem em mim e eu neles.
E qual é – vem-me à mente - a “necessidade” que a videira tem dos ramos? É dar frutos. Qual é a “necessidade” - digamos assim, com um pouco de audácia - qual é a “necessidade” que Jesus tem de nós? O testemunho. Quando no Evangelho diz que somos luz, afirma: «Sede luz, para que os homens “vejam as vossas boas obras e deem glória ao vosso Pai” (Mt 5, 16)», ou seja, o testemunho é a necessidade que Jesus tem de nós. Dar testemunho do seu nome, pois a fé, o Evangelho, cresce pelo testemunho.
Este é um modo misterioso: Jesus glorificado no céu, depois de ter passado pela Paixão, precisa do nosso testemunho para fazer crescer, para anunciar, para que a Igreja cresça. E este é o mistério recíproco do “permanecer”. Ele, o Pai e o Espírito permanecem em nós, e nós permanecemos em Jesus.
Far-nos-á bem pensar e refletir sobre isto: permanecer em Jesus; e Jesus permanece em nós. Permanecer em Jesus para ter a seiva, a força, a justificação, a gratuidade, a fecundidade. E Ele permanece em nós para nos dar a força de [dar] fruto (cf. Jo 5, 15), para nos dar a força do testemunho com o qual a Igreja cresce.
E interrogo-me: "Qual é a relação entre Jesus que permanece em mim e eu que permaneço nele?" É uma relação de intimidade, uma relação mística, uma relação sem palavras. “Mas padre, isto é para os místicos!”. Não, isto é para todos nós. Com pequenos pensamentos: “Senhor, sei que Tu estás aqui [em mim]: dá-me força e farei o que Tu me disseres!”. Este diálogo de intimidade com o Senhor. O Senhor está presente, o Senhor está presente em nós, o Pai está presente em nós, o Espírito está presente em nós; permanecem em nós. Mas devo permanecer neles...
Que o Senhor nos ajude a compreender, a sentir esta mística do permanecer, sobre a qual Jesus insiste tanto, tanto, tanto! Muitas vezes nós, quando falamos da videira e dos ramos, detemo-nos na figura, na profissão do agricultor, do Pai: que aquele [o ramo] que dá fruto é cortado, isto é, podado, e aquele que não o dá é cortado e lançado fora (cf. Jo 15, 1-2).
É verdade, faz isto, mas não é tudo, não. Há algo mais.
Esta é a ajuda: as provações, as dificuldades da vida, até as correções que o Senhor nos faz. Mas não paremos aqui. Entre a videira e os ramos existe este permanecer íntimo. Os ramos, nós, precisamos da seiva, a videira tem necessidade dos frutos, do testemunho.
Papa Francisco