Traduzido por Renata P. Espíndola.
Contemplando o Coração de Jesus,
podemos deixar-nos guiar por três palavras: memória, paixão e consolação. Lembrança...
Lembrar [em italiano, ricordare],
significa “voltar ao coração, voltar com
o coração”. Ri-cordare. A que o
Sagrado Coração de Jesus nos faz voltar? Ao que Ele fez por nós: o Coração de
Cristo mostra-nos Jesus que se oferece, é o compêndio da sua misericórdia.
Olhando para ele - como fez João
no Evangelho (19, 31-37), nos vem naturalmente lembrar sua bondade, que é dada
de graça, que não pode ser comprada nem vendida; e incondicional, não depende
de nossas ações, é soberana. E está se movendo. Na pressa de hoje, em meio a
mil recados e preocupações contínuas, estamos perdendo a capacidade de nos
emocionar e de sentir compaixão, porque estamos perdendo esse retorno ao
coração, ou seja, essa memória, esse retorno ao coração.
Sem memória, perde-se as raízes
e, sem raízes, não se cresce. É bom para nós alimentar a memória de quem nos
amou, cuidou de nós e nos elevou. Desejo renovar hoje o meu “obrigado” pelo
carinho e pelo carinho que aqui recebi. Acredito que neste tempo de pandemia é
bom lembrarmos até dos momentos que mais sofremos: não para nos entristecer,
mas para não esquecer e para nos guiar nas nossas escolhas à luz do um passado
muito recente.
Eu me pergunto: como funciona
nossa memória? Para simplificar, poderíamos dizer que nos lembramos de alguém
ou de alguma coisa quando toca nosso coração, quando nos vincula a um
determinado afeto ou falta de afeto. E assim o Coração de Jesus cura a nossa
memória porque a traz de volta ao afeto fundamental. Ele enraíza na base mais
sólida. Isso nos lembra que, aconteça o que acontecer conosco na vida, somos
amados.
Sim, somos seres amados, filhos a quem o Pai ama sempre e, em todo o
caso, irmãos e irmãs por quem bate o Coração de Cristo. Cada vez que
perscrutamos aquele Coração, descobrimo-nos “enraizados e alicerçados no amor”,
como disse o apóstolo Paulo na primeira leitura de hoje (Ef 3, 17).
Cultivemos esta memória, que se
fortalece quando estamos face a face com o Senhor, especialmente quando nos
deixamos ser olhados e amados por Ele em adoração. Mas também podemos cultivar
entre nós a arte de lembrar, de valorizar os rostos que encontramos. Penso nos
dias cansativos no hospital, na universidade, no trabalho. Corremos o risco de
que tudo passe sem deixar rasto, ou de que permaneçam apenas o cansaço e o cansaço.
É bom para nós, à noite, rever os rostos que encontramos, os sorrisos que
recebemos, as boas palavras.
São memórias de amor e ajudam a
nossa memória a se reencontrar: que nossa memória se reencontre. Quão
importantes são essas memórias nos hospitais! Eles podem dar sentido ao dia de
uma pessoa doente. Uma palavra fraterna, um sorriso, uma carícia no rosto: são
memórias que curam por dentro, fazem bem ao coração. Não esqueçamos a terapia da
lembrança: ela faz muito bem!
Paixão é a segunda palavra. Paixão.
O primeiro é memória, lembrança; o segundo é paixão. O Coração de Cristo não é
uma devoção piedosa, para sentir um pouco de calor por dentro; não é uma imagem
terna que desperta afeto, não, não é isso. É um coração apaixonado - basta ler
o Evangelho -, um coração ferido de amor, aberto por nós na cruz. Ouvimos como
o Evangelho fala disso: “Um dos soldados
lhe furou o lado com uma lança, e imediatamente saiu sangue e água” (Jo 19,
34). Perfurado, Ele dá; na morte, Ele nos dá vida.
O Sagrado Coração é o ícone da
Paixão: mostra-nos a ternura visceral de Deus, a sua paixão amorosa por nós e,
ao mesmo tempo, encimado pela cruz e rodeado de espinhos, mostra-nos quanto
sofrimento custou a nossa salvação. Em sua ternura e dor, esse Coração revela,
em suma, o que é a paixão de Deus. O que é? Cara, nós. E qual é o estilo de
Deus? Proximidade, compaixão e ternura. Este é o estilo de Deus: proximidade,
compaixão e ternura.
O que isso sugere? Que, se
realmente queremos amar a Deus, devemos ser apaixonados pela humanidade, por
toda a humanidade, especialmente por aqueles que vivem a condição em que o
Coração de Jesus se manifestou, ou seja, dor, abandono e rejeição;
especialmente nesta cultura descartável em que vivemos hoje. Quando servimos os
que sofrem, consolamos e nos regozijamos no Coração de Cristo.
Uma passagem do Evangelho é
impressionante. João Evangelista, no momento em que narra o lado traspassado,
de onde jorra sangue e água, dá testemunho para que acreditemos (cf. v. 35).
São João escreve, ou seja, que naquele momento ocorre o testemunho. Porque o
Coração perfurado de Deus é eloqüente. Fala sem palavras, porque é a
misericórdia em estado puro, o amor que fere e dá vida. É Deus, com
proximidade, compaixão e ternura.
Quantas palavras falamos sobre
Deus sem mostrar amor! Mas o amor fala por si, não fala por si. Vamos pedir pela graça de nos apaixonarmos pelo homem que sofre, de nos
apaixonarmos pelo serviço, para que a Igreja, antes de ter palavras a dizer,
mantenha um coração que bate de amor. Antes de falar, que ela aprenda a
salvaguardar o seu coração no amor.
A terceira palavra é conforto. A
primeira foi a lembrança, a segunda paixão, a terceira é o consolo. Indica uma
força que não vem de nós, mas de quem está conosco: daí vem a força. Jesus, o
Deus conosco, nos dá essa força, seu Coração nos dá coragem na adversidade.
Muitas incertezas nos assustam: nesta época de pandemia, descobrimos que somos
menores, mais frágeis. Apesar de tantos avanços maravilhosos, isso também é
evidente na área médica: tantas doenças raras e desconhecidas!
Quando encontro pessoas na
plateia - especialmente crianças - e pergunto: “Você está doente?” - [respondem] “Uma doença rara”. Existem muitos deles hoje! Como é difícil
acompanhar as patologias, os centros de tratamento, os cuidados de saúde que
realmente deveriam ser, para todos. Podemos ficar desanimados. É por isso que
precisamos de consolo - a terceira palavra.
O Coração de Jesus bate por nós,
repetindo sempre aquelas palavras: “Coragem,
coragem, não tenhas medo, estou aqui!”. Coragem, irmã, coragem, irmão, não
desanimes, o Senhor teu Deus é maior que as tuas mazelas, Ele te pega pela mão
e te acaricia, está perto de ti, é compassivo, é terno. Ele é o seu conforto.
Se olharmos a realidade desde a
grandeza do seu Coração, muda a perspectiva, muda o nosso conhecimento da vida
porque, como nos lembrava São Paulo, conhecemos “o amor de Cristo que ultrapassa o conhecimento” (Ef 3,19). Vamos
nos encorajar com essa certeza, com o conforto de Deus. E peçamos ao Sagrado
Coração a graça de poder consolar por sua vez. É uma graça que deve ser pedida,
pois corajosamente nos comprometemos a nos abrir, ajudar uns aos outros,
carregar os fardos uns dos outros. Também se aplica ao futuro da saúde,
especialmente da saúde “católica”:
compartilhar, apoiar-se, caminhar juntos.
Que Jesus abra o coração de quem cuida
dos enfermos à colaboração e à coesão. Ao teu Coração, Senhor, confiamos a
nossa vocação de cuidar: façamos com que cada pessoa que se aproxima de nós em
necessidade se sinta querida.
Amém.