Mensagem do Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, para o Dia Mundial do Turismo (27.09)
Com o tema Turismo e biodiversidade, proposto pela competente Organização Mundial, o Dia Mundial do Turismo quer oferecer sua contribuição a este 2010, declarado pela Assembléia Geral das Nações Unidas "Ano Internacional da Diversidade Biológica". Tal proclamação nasce da profunda preocupação "pelas repercussões sociais, econômicas, ambientais e culturais da perda da diversidade biológica, incluídas as conseqüências adversas que entranha para a consecução dos objetivos de desenvolvimento do Milênio, e destacando a necessidade de adotar medidas concretas para inverter esta perda". [1]
A biodiversidade, ou diversidade biológica, faz referência à grande riqueza de seres que vivem na Terra, assim como ao delicado equilíbrio de interdependência e interação que existe entre eles e com o meio físico que os acolhe e condiciona. Esta biodiversidade se traduz nos diferentes ecossistemas, dos quais são um bom exemplo os bosques, os pantanais, as savanas, as selvas, o deserto, os recifes de corais, as montanhas, os mares, ou as zonas polares.
Perante isto se pairam três grandes perigos, que requerem uma solução urgente: a mudança climática, a desertificação e a perda da biodiversidade. Esta última está se desenvolvendo nos últimos anos a um ritmo sem precedentes. Estudos recentes indicam que, a nível mundial, estão ameaçados ou em perigo de extinção 22% dos mamíferos, 31% dos anfíbios, 13.6% das aves e 27% dos recifes. [2]
Existem numerosos setores de atividade humana que contribuem grandemente a estas mudanças, e um deles é, sem dúvida alguma, o turismo, o qual se situa entre os que têm experimentado um maior e rápido crescimento. Ao respeito, podemos recordar as cifras que nos oferece a Organização Mundial do Turismo (OMT). Os turistas internacionais foram de 534 milhões em 1995, e 682 milhões em 2000 e as previsões que apareciam no informe Tourism 2020 Vision são de 1006 milhões para o ano de 2010, e que chegariam a 1561 milhões em 2020, com um crescimento médio anual de 4.1%. [3]
E a estas cifras de turismo internacional teria que acrescentar as mais importantes do turismo interno. Tudo isto nos mostra o forte crescimento deste setor econômico, o que comporta alguns importantes efeitos na conservação e uso sustentável da biodiversidade, com o conseqüente perigo de que se transforme num sério impacto meio ambiental, especialmente pelo consumo desmedido de recursos limitados (como a água potável e o território) e pela grande geração de contaminação e resíduos, superando as quantidades que seriam assimiladas por uma determinada zona.
A situação se agrava pelo fato de que a procura turística se dirige cada vez mais aos destinos da natureza, atraída pelas suas inumeráveis belezas, o que supõe um impacto importante nas populações locais, na sua economia, no seu meio ambiente e em seu patrimônio cultural. Este fato pode ser um elemento prejudicial ou, ao contrário, contribuir significativamente e em modo positivo à conservação do patrimônio. O turismo vive assim um paradoxo. Se por um lado surge e cresce graças à atração de paisagens naturais e culturais, por outro lado estes podem chegar a ser deteriorados e inclusive destruídos pelo mesmo turismo, o que significa ser rejeitados como destinos e não gozar da atração que era na origem.
Por tudo isso, devemos afirmar que o turismo não pode eximir-se de sua responsabilidade na defesa da biodiversidade, pelo contrário, deve assumir um papel ativo na mesma. O desenvolvimento deste setor econômico deverá ser acompanhado inevitavelmente dos princípios de sustentabilidade e respeito à diversidade biológica. De tudo isto se preocupou seriamente a comunidade internacional, e sobre o tema realizaram-se reiterados pronunciamentos. [4]
A Igreja quer juntar a sua voz, a partir do espaço que lhe é próprio, partindo da convicção que ela mesma "sente o seu peso de responsabilidade pela criação e deve fazer valer esta responsabilidade também na esfera pública. Ao fazê-lo, não tem apenas de defender a terra, a água e o ar, como dons da criação que pertencem a todos, mas deve sobretudo proteger o homem da destruição de si mesmo". [5]
Embora evitando de intervir sobre soluções técnicas concretas, a Igreja, se preocupa de chamar a atenção para a relação entre o Criador, o ser humano e a criação. [6] O Magistério reitera insistentemente a responsabilidade do ser humano na preservação de um ambiente integro e sadio para todos, a partir do convencimento que "a tutela do ambiente constitui um desafio para toda a humanidade: trata-se do dever, comum e universal, de respeitar um bem coletivo". [7]
Como foi indicado pelo Papa Bento XVI na sua encíclica Caritas in veritate, "o crente reconhece o resultado maravilhoso da intervenção criadora de Deus, de que o homem se pode responsavelmente servir para satisfazer as suas legítimas exigências — materiais e imateriais — no respeito dos equilíbrios intrínsecos da própria criação", [8] e cujo uso representa para nós "uma responsabilidade que temos para com os pobres, as gerações futuras e a humanidade inteira". [9] Por isso, o turismo deve respeitar o meio ambiente, procurando alcançar uma perfeita harmonia com a Criação, de modo que, garantindo a sustentabilidade dos recursos de que depende, não origine irreversíveis transformações ecológicas.
O contato com a natureza é importante e, portanto, o turismo deve esforçar-se para respeitar e valorizar a beleza da criação, a partir do convencimento de que "muitos encontram tranquilidade e paz, sentem-se renovados e revigorados quando entram em contacto direto com a beleza e a harmonia da natureza. Existe aqui uma espécie de reciprocidade: quando cuidamos da criação, constatamos que Deus, através da criação, cuida de nós". [10]
Todavia há um elemento que torna ainda mais exigente este esforço, isto é, na sua busca de Deus, o ser humano descobre algumas vias para aproximar-se ao Mistério, que tem como ponto de partida a criação. [11] A natureza e a diversidade biológica nos falam do Deus Criador, o Qual se faz presente na sua criação, "de fato, partindo da grandeza e beleza das criaturas, pode-se chegar a ver, por analogia, o seu Criador" (Sb 13,5), "pois foi o Principio e Autor da beleza quem as criou" (Sb 13, 3). É por isso que o mundo na sua diversidade, "oferece-se ao olhar do homem como rasto de Deus, lugar no qual se desvela a sua força criadora, providente e redentora". [12] Por este motivo, o turismo, aproximando-se à criação em toda a sua variedade e riqueza, pode ser ocasião para promover ou acrescentar a experiência religiosa.
É urgente e necessário encontrar um equilíbrio entre o turismo e a biodiversidade biológica, em que ambos se apoiem mutuamente, de modo que desenvolvimento econômico e proteção do ambiente não apareçam como elementos opostos e incompatíveis, mas tenda a conciliar as exigências de ambos. [13]
Os esforços de proteger e promover a diversidade biológica na sua relação com o turismo passam, em primeiro lugar, por desenvolver estratégias participativas e partilhadas, nas quais se comprometem os diversos setores envolvidos. A maioria dos governos, instituições internacionais, associações profissionais do setor turístico e organizações não governamentais defendem, com uma visão a longo prazo, a necessidade de um turismo sustentável, como única forma possível para que o seu desenvolvimento seja ao tempo economicamente rentável, proteja os recursos naturais e culturais, e sirva de ajuda real na luta contra a pobreza.
As autoridades públicas devem oferecer uma legislação clara, que proteja e potencie a biodiversidade, reforçando os benefícios e reduzindo os custos do turismo, e também vigiar para o cumprimento das normas. [14] Para que isto aconteça devem prever certamente uma importante inversão em planejamento e em educação. Os esforços governamentais deverão ser maiores nos lugares mais vulneráveis e onde a degradação tenha sido maior. Quiçá em alguns deles, o turismo deveria ser restrito ou, até mesmo evitado.
Pede-se ao setor empresarial do turismo de "planejar, desenvolver e conduzir seus empreendimentos minimizando impactos e contribuindo para a conservação de ecossistemas sensíveis, do meio ambiente em geral e levando benefícios às comunidades locais e indígenas".[15] Por isso, seria conveniente realizar estudos prévios da sustentabilidade de cada produto turístico, evidenciando os aportes positivos reais com os riscos potenciais, a partir da convicção de que o setor não pode buscar o objetivo do máximo benefício a qualquer custo. [16]
Finalmente, os turistas devem ser conscientes de que a sua presença em alguns lugares nem sempre é positiva. Com este fim, devem ser informados sobre os benefícios reais que comporta a conservação da biodiversidade, e ser educados em modo compatível ao turismo sustentável. Assim mesmo deveriam reclamar às empresas turísticas propostas que contribuam realmente ao desenvolvimento do lugar.
Em nenhum caso, nem o território nem o patrimônio histórico-cultural dos destinos devem sair prejudicados em favor do turista, adaptando-se aos seus gostos e desejos. Um esforço importante, que de modo especial deve realizar a pastoral do turismo, é a educação à contemplação, que facilite aos turistas descobrir os rastos de Deus na grande riqueza da biodiversidade.
Assim, graças a um turismo que se desenvolve em harmonia com a criação, facilitar-se-á no coração do turista o louvor do salmista: "Ó Senhor, nosso Deus, como é glorioso teu nome em toda a terra!" (Sal 8,2).
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Fonte: http://zenit.org/article-25365?l=portuguese & VIS (em espanhol)
Cidade do Vaticano, 24 de junho de 2010
+ Antonio Maria Vegliò
Presidente
+ Agostino Marchetto
Arcebispo Secretário
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[1] Organização das Nações Unidas, Resolução A/RES/61/203 aprovada pela Assembleia Geral, 20 de dezembro de 2006.
[2] Cfr. J.-C. Vié, C. Hilton-Taylor and S. N. Stuart (eds.), Wildlife in a Changing World. An analysis of the 2008 IUCN Red List of Threatened Species, International Union for Conservation of Nature and Natural Resources, Gland, Switzerland, 2009, p. 18: http://data.iucn.org/dbtw-wpd/edocs/RL-2009-001.pdf
[4] Um primeiro documento a referir é a Carta do Turismo Sustentável, aprovada na "Conferência Mundial de Turismo Sustentável", celebrada na ilha espanhola de Lanzarote de 27 a 28 de abril de 1995. De forma conjunta, a Organização Mundial de Turismo (OMT), o World Travel & Tourism Council (WTTC) e o Conselho da Terra elaboraram em 1996 o informe Agenda 21 para a Indústria de Viagens e Turismo: Para um desenvolvimento ambientalmente sustentável, que traduz em um programa de ação para o turismo a Agenda 21 das Nações Unidas para a promoção do desenvolvimento sustentável (e foi adotada na Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro em 1992). Outra referência importante é a Declaração de Berlim, documento conclusivo da "Conferência internacional de Ministros de Meio Ambiente sobre biodiversidade e turismo", que foi realizado na capital alemã de 6 a 8 de março de 1997. Quiçá seja este documento a contribuição mais importante, devido a sua elaboração, influência, difusão e aos seus signatários. Alguns meses depois assinou-se a Declaração de Manila sobre o impacto social do turismo, de onde se destacou a importância de uma série de princípios a favor da sustentabilidade turística. Como fruto da "Cúpula Mundial do Ecoturismo", organizada em maio de 2002 pela OMT, com apoio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), publicou-se a Declaração de Québec sobre o ecoturismo. No marco do "Convênio sobre Diversidade Biológica" editaram-se, no ano de 2004, as Diretrizes sobre a Diversidade Biológica e Desenvolvimento do Turismo. A todos estes documentos de índole internacional deve-se unir os numerosos manuais e compêndios de boas práticas que em relação a este tema foi publicado pela OMT, e entre as quais se pode destacar a intitulada Por um turismo mais sustentável: Guia para responsáveis políticos, editada em 2005 em colaboração com o PNUMA.
[5] Bento XVI, Carta encíclica Caritas in veritate, n. 51, AAS 101 (209), p. 687.
[6] Cfr. Bento XVI, Mensagem para a celebração do XLIII Dia Mundial da Paz 2010, 8 de dezembro de 2009, http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/messages/peace/documents/hf_ben-xvi_mes_20091208_xliii-world-day-peace_po.html.
[7] Pontifício Conselho "Justiça e Paz", Compêndio da Doutrina Social da Igreja, Libreria Editrice Vaticana, Cidade do Vaticano 2004, n. 466. Cfr. João Paulo II, Carta encíclica Centesimus annus, n. 40: AAS 83 (1991) p. 843.
[8] Bento XVI, Carta encíclica Caritas in veritate, n. 48, l.c., p. 684.
[9] Ibidem.
[10] Bento XVI, Mensagem para a celebração do XLIII Dia Mundial da Paz 2010, n. 13, l.c.
[11] Cfr. Catecismo da Igreja Católica, Libreria Editrice Vaticana, Cidade do Vaticano 1977, n. 31.
[12] Pontifício Conselho "Justiça e Paz", Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 487, l.c.
[13] Cfr. Ibidem, n. 470.
[14] Cfr. Benedicto XVI, Carta encíclica Caritas in veritate, n. 50, l.c., p. 686.
[15] Cúpula Mundial del Ecoturismo, Informe Final. Declaração de Québec sobre o ecoturismo, 22 de maio de 2002, Organização Mundial do Turismo e Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Madrid 2002, recomendação 21.
[16] Cfr. Organização Mundial do Turismo, Código Ético Mundial para o Turismo, 1 de outubro de 1999, art. 3 §4: http://www.unwto.org/ethics/full_text/en/full_text.php?subop=2
[Texto em Português oferecido pela Santa Sé - VIS]
[Texto em Português oferecido pela Santa Sé - VIS]
Fonte: http://zenit.org/article-25365?l=portuguese & VIS (em espanhol)