"A doença da preguiça e a água que nos regenera"
Terça-feira, 24 de março de 2020
A liturgia de hoje faz-nos refletir sobre a água, a água como símbolo de salvação, porque é um meio de salvação, mas a água é também um instrumento de destruição: pensemos no dilúvio... Mas nestas leituras, a água é para a salvação.
Na primeira leitura fala-se da água que traz a vida, que saneia as águas do mar, uma água nova que cura. E no Evangelho fala-se da piscina, daquela piscina repleta de água à qual os doentes iam para ser curados, porque se dizia que de vez em quando as águas se moviam, como se fosse um rio, porque um anjo descia do céu e as movia, e o primeiro, ou os primeiros, que se lançavam na água ficavam curados. E ali havia muitos doentes: “Um grande número de enfermos, cegos, coxos, paralíticos” ficavam ali, à espera da cura, do movimento da água.
Encontrava-se também um homem que estava doente há 38 anos. Há 38 anos ali, à espera da cura! Isto faz pensar, não é verdade? É demasiado... porque quem quer ser curado organiza-se para ter alguém que o ajude, faz algo, é um pouco ágil, inclusive um pouco astuto... mas ele, há 38 anos ali, a ponto que não se sabe se está doente ou morto... Vendo-o deitado, e conhecendo a realidade, que há muito tempo estava ali, Jesus diz-lhe: “Queres ficar curado?”. E a resposta é interessante: não diz que sim, lamenta-se. Da doença? Não. O doente responde: “Senhor, não tenho ninguém que me leve à piscina, quando a água é agitada. Quando estou para chegar – estou prestes a tomar a decisão de ir – outro desce antes de mim”. Um homem que chega sempre atrasado. Jesus diz-lhe: “Levanta-te, toma o teu leito e anda”. No mesmo instante, aquele homem ficou curado.
A atitude deste homem leva-nos a pensar. Estava doente? Sim, talvez, tinha alguma paralisia, mas parece que podia caminhar um pouco. Mas estava doente no coração, na alma, estava doente de pessimismo, de tristeza, de preguiça. Eis a doença daquele homem: “Sim, quero viver, mas...”, estava ali. A sua resposta não é: “Sim, quero ser curado!”. Não, é lamentar-se: “São os outros que chegam primeiro, sempre os outros”. A resposta à oferta de cura de Jesus é uma lamentação contra os outros. E assim, 38 anos a lamentar-se dos outros. E sem nada fazer para ser curado.
Era sábado: ouvimos o que os doutores da Lei fizeram. Mas a chave é o encontro com Jesus, mais tarde. Encontrou-o no templo e disse-lhe: “Eis que estás curado. Não voltes a pecar, para que não te aconteça algo pior”. Aquele homem vivia no pecado, mas não porque tinha feito algo grave, não. O pecado de sobreviver e de se lamentar da vida dos outros: o pecado da tristeza, que é a semente do diabo, da incapacidade de tomar uma decisão sobre a própria vida, mas de olhar para a vida dos outros a fim de se lamentar. Não para os criticar: para se queixar. “Eles chegam antes, eu sou a vítima desta vida”: queixas, estas pessoas respiram lamentações.
Se fizermos uma comparação com o cego de nascença, que ouvimos domingo passado: com quanta alegria, com quanta decisão reagiu à sua cura, e também com quanta determinação foi discutir com os doutores da Lei! Este [paralítico] somente foi ali e informou: “Sim, é ele”, Ponto. Sem compromisso com a vida... Faz-me pensar em muitos de nós, em muitos cristãos que vivem esta condição de preguiça, de incapacidade de fazer algo, lamentando-se de tudo. E a preguiça é um veneno, uma neblina que circunda a alma e não a deixa viver. E é também uma droga, porque se a experimentares com frequência, gostarás dela. E assim acabas por te tornares “dependente da tristeza”, “dependente da preguiça”... É como o ar. E este é um pecado bastante comum entre nós: a tristeza, a preguiça, não digo a melancolia, mas assemelha-se.
E far-nos-á bem reler o capítulo 5 de João, para ver como é a doença em que podemos cair. A água é para nos salvar. “Mas não posso salvar-me” – “Por que motivo?” – “Porque a culpa é dos outros”. E permaneço 38 anos ali... Jesus curou-me: não se vê a reação dos outros que são curados, que tomam o leito e dançam, cantam, agradecem e contam a todos. Não, ele vai em diante assim. Os outros dizem-lhe que não se deve fazer isto, mas ele diz: “Aquele que me curou disse-me que sim”, e vai adiante. E depois, em vez de ir ao encontro de Jesus e de lhe agradecer, informa: “Foi Ele”. Uma vida cinzenta, cinzenta com aquele mau espírito que é a preguiça, a tristeza, a melancolia.
Pensemos na água, a água que é símbolo da nossa força, da nossa vida, a água que Jesus usou para nos regenerar, o Batismo. E pensemos também em nós, se alguém de nós corre o perigo de escorregar nesta preguiça, neste pecado “neutro”: o pecado do neutro é este, nem branco nem preto, não se sabe o que é. E este é um pecado que o diabo pode usar para aniquilar a nossa vida espiritual e também a nossa vida como pessoas. Que o Senhor nos ajude a entender quão terrível e mau é este pecado.
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