5 de setembro de 2022

Mais uma vez as postagens ficarão suspensas...


Amo muito este blog, mesmo que seja construído num ritmo mais lento, sem o compromisso de buscar seguidores, mas apenas de colecionar e compartilhar informações que julgo relevantes para a minha vivência da espiritualidade católica e que, de certa forma, acaba ajudando a terceiros.

Entretanto, a vida não é mole, apesar da beleza que Deus a dotou... 

Fonte: Instagram.

21 de agosto de 2022

Mensagem do Papa Francisco por ocasião do "XLIII Encontro de Amizade entre os Povos" em Rimini, via Secretaria de Estado.

Tradução do blog
por Vatican News


À Sua Excelência Reverendíssima
Monsenhor Francesco Lambiasi
Bispo de Rimini

 

Excelência Reverendíssima,

O Santo Padre saúda-vos de coração e confia-vos, através de mim, esta mensagem para o próximo "Encontro de Amizade entre os Povos", intitulado "A paixão pelo homem". No centenário do nascimento do Servo de Deus Dom Luigi Giussani, os organizadores pretendem fazer uma grata memória de seu zelo apostólico, que o levou a encontrar tantas pessoas e levar a Boa Nova de Jesus Cristo a cada um. De fato, ele disse em seu discurso no Encontro de 1985: "O cristianismo não nasceu para fundar uma religião, nasceu como uma paixão pelo homem. [...] Amor pelo homem, veneração pelo homem, ternura pelo homem, paixão pelo homem, estima absoluta pelo homem".

Às vezes, parece que a história deu as costas a este olhar de Cristo sobre o homem. O Papa Francisco enfatizou isso em muitas ocasiões: "A fragilidade dos tempos em que vivemos é também esta: acreditar que não há possibilidade de redenção, uma mão que te levanta, um abraço que te salva, te perdoa, te levanta para cima, inunda você com um amor infinito, paciente e indulgente; coloca você de volta aos trilhos" ("O nome de Deus é Misericórdia: Uma conversa com Andrea Tornielli", Cidade do Vaticano-Milão 2016, p. 31).

Este é o aspecto mais doloroso da experiência de muitos que viveram a solidão durante a pandemia ou que tiveram que abandonar tudo para escapar da violência da guerra. Eis então que a parábola do bom samaritano é hoje mais do que nunca uma palavra-chave, porque é evidente como "os homens em seus corações esperam que o samaritano venha em seu socorro, que ele se incline sobre eles, derrame óleo sobre suas feridas, cuide delas e leve-as para um abrigo. Em última análise, eles sabem que precisam da misericórdia de Deus e de sua delicadeza [...], um amor salvador que se dá gratuitamente" (Entrevista com S.H. Papa Emérito Bento XVI, em "Por meio da fé", editado por Daniele Libanori, Cinisello Balsamo 2016, p.129).

O Evangelho aponta o Bom Samaritano como modelo de paixão incondicional por cada irmão e irmã que se encontra no caminho e, por isso, tem uma profunda sintonia com o tema do Encontro: "Cuidemos da fragilidade de cada homem, de cada mulher, de cada criança e de cada idoso, com aquela atitude solidária e atenta, a atitude de proximidade com bom samaritano" (Enc. Fratelli tutti, 79).

Não é apenas uma questão de generosidade, que uns têm mais e outros menos. Aqui Jesus quer nos colocar diante da raiz profunda do gesto do bom samaritano. O Papa Francisco assim o descreve: "Reconhecer o próprio Cristo em cada irmão abandonado ou excluído (cf. Mt 25,40.45). Na realidade, a fé enche o reconhecimento do outro de motivações sem precedentes, porque quem crê pode vir a reconhecer que Deus ama cada ser humano com amor infinito e, assim, lhe confere uma dignidade infinita. A isto acrescentamos que cremos que Cristo derramou o seu sangue por todos e por todos e, portanto, ninguém fica fora do seu amor universal” (ibid., 85).

Este mistério nunca deixa de nos surpreender, como o próprio Dom Giussani testemunhou na presença de São João Paulo II em 30 de maio de 1998: "O que é o homem que você se lembra dele, o filho do homem que você cuida dele?". Nenhuma pergunta me atingiu, na vida, tão bem quanto esta. Havia apenas um homem no mundo que poderia me responder, fazendo uma nova pergunta: "Que vantagem terá o homem se ganhar o mundo inteiro e depois se perder? Ou o que o homem poderá dar em troca de si mesmo?”. […] Só Cristo leva a sério toda a minha humanidade” ("Gerando traços na história do mundo", Milão 2019, p. 78).

É esta paixão de Cristo pelo destino de cada criatura que deve animar o olhar do crente para todos: um amor gratuito, sem medida e sem cálculos. Mas - nos perguntamos - tudo isso não poderia parecer uma intenção piedosa, em comparação com o que vemos acontecer no mundo de hoje? No embate de todos contra todos, onde o egoísmo e os interesses partidários parecem ditar a agenda na vida dos indivíduos e das nações, como é possível olhar para os que nos rodeiam como um bem a ser respeitado, salvaguardado e cuidado? Como é possível preencher a lacuna que separa um do outro? A pandemia e a guerra parecem ter alargado o fosso, retrocedendo o caminho para uma humanidade mais unida e solidária.

Mas sabemos que o caminho da fraternidade não se desenha nas nuvens: atravessa os muitos desertos espirituais presentes em nossas sociedades. "No deserto - disse o Papa Bento XVI - redescobre-se o valor do essencial para viver; assim, no mundo contemporâneo há inúmeros sinais, muitas vezes expressos de forma implícita ou negativa, da sede de Deus, do sentido último da vida. E no deserto há necessidade sobretudo de pessoas de fé que, com a própria vida, mostrem o caminho para a Terra Prometida e assim mantenham desperta a esperança” (Homilia na Santa Missa de abertura do Ano da Fé, 11 outubro de 2012). 

O Papa Francisco não se cansa de indicar o caminho que atravessa o deserto trazendo vida: "O nosso compromisso não consiste exclusivamente em ações ou programas de promoção e assistência; o que o Espírito põe em movimento não é um excesso de ativismo, mas antes de tudo uma atenção ao outro, considerando-o como uma única coisa consigo mesmo. Esta atenção de amor é o início de uma verdadeira solicitude pela sua pessoa e a partir dele quero procurar eficazmente o seu bem" (Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 199).

Recuperar essa consciência é crucial. Uma pessoa não pode trilhar o caminho da autodescoberta sozinha, o encontro com o outro é essencial. Nesse sentido, o Bom Samaritano nos mostra que nossa existência está intimamente ligada à dos outros e que a relação com o outro é condição para nos tornarmos plenamente nós mesmos e dar frutos. 

Ao dar-nos a vida, Deus deu-nos de alguma forma porque nós, por nossa vez, nos doamos aos outros: "O ser humano é feito de tal maneira que não se realiza, não se desenvolve e não pode encontrar a sua plenitude se não por um dom sincero de si” (Encíclica Fratelli tutti, 87). Dom Giussani acrescentou que a caridade é um dom de si mesmo "comovido". De fato, é comovente pensar que Deus, o Todo-Poderoso, curvado sobre o nosso nada, se compadeceu de nós e nos amou um a um com um amor eterno.

Qual é o fruto de quem, imitando Jesus, se doa? "A amizade social que não exclui ninguém e a fraternidade aberta a todos" (ibid., 94). Um abraço que derruba muros e vai ao encontro do outro na consciência do quanto vale cada pessoa, seja qual for a situação em que se encontre. Um amor pelo outro pelo que ele é: criatura de Deus, feita à sua imagem e semelhança, portanto dotada de uma dignidade intangível, da qual ninguém pode dispor ou, pior ainda, abusar.

É esta amizade social que, como crentes, somos convidados a nutrir com o nosso testemunho: "A comunidade evangelizadora coloca-se na vida quotidiana dos outros através de obras e gestos, encurta distâncias, rebaixa-se até à humilhação, se necessário, e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo" (Evangelii gaudium, 24). Quanta necessidade têm os homens e as mulheres do nosso tempo de conhecer pessoas que não dão lições da varanda, mas saem às ruas para partilhar a labuta quotidiana da vida, sustentados por uma esperança confiável!

O Papa Francisco insiste em chamar os cristãos a esta tarefa histórica, para o bem de todos, na certeza de que a fonte da dignidade de cada ser humano e a possibilidade da fraternidade universal é o Evangelho de Jesus encarnado na vida da comunidade cristã: “Se a música do Evangelho parar de vibrar em nossas entranhas, teremos perdido a alegria que brota da compaixão, a ternura que vem da confiança, a capacidade de reconciliação que encontra sua fonte em saber que somos sempre perdoados. Se a música do Evangelho parar de tocar em nossas casas, em nossas praças, no trabalho, na política e na economia, teremos desligado a melodia que nos levou a lutar pela dignidade de todo homem e mulher” (Discurso na reunião ecumênica, Riga - Letônia, 24 de setembro de 2018).

O Santo Padre espera que os organizadores e participantes do Encontro de 2022 acolham este apelo com coração feliz e disponível, continuando a colaborar com a Igreja universal no caminho da amizade entre os povos, expandindo a paixão pela humanidade em todo o mundo. E enquanto confia esta intenção à intercessão de Maria Santíssima, envia de coração a Bênção Apostólica.

Ao formular os meus desejos pessoais de um Encontro que corresponda plenamente às expectativas, confirmo-me com um sentido de distinto respeito

de Vossa Excelência Reverendíssima
dev.mo
Pietro Card. Parolin
Secretário de Estado





2 de agosto de 2022

Resgatando uma instrução a propósito da sepultura dos defuntos e da conservação das cinzas da cremação, uma vez que têm surgido alternativas duvidosas de enterros "ecológicos" ou a dispersão de cinzas pela natureza.

[Nota da Autora: Sim, também somos átomos reciclados, mas nem por isto após a morte os corpos podem ser afastados do sentido do sagrado para serem vistos "como adubo" ou "integrados com a natureza". Esta já fornece todo o material necessário para o cumprimento dos serviços ecossistêmicos e você não vai virar um jardim lindinho, para o descanso da vista, ou uma árvore frondosa, onde outros irão se alimentar e abrigar... Aliás, você já é este jardim ou esta árvore para as demais pessoas em vida?!?]



 CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ

Instrução Ad resurgendum cum Christo
a propósito da sepultura dos defuntos
e da conservação das cinzas da cremação

 

1. Para ressuscitar com Cristo, é necessário morrer com Cristo, isto é, “exilarmo-nos do corpo para irmos habitar junto do Senhor” (2 Cor 5, 8). Com a Instrução Piam et constantem, de 5 de Julho de 1963, o então chamado Santo Ofício, estabeleceu que “seja fielmente conservado o costume de enterrar os cadáveres dos fiéis”, acrescentando, ainda, que a cremação não é “em si mesma contrária à religião cristã”. Mais ainda, afirmava que não devem ser negados os sacramentos e as exéquias àqueles que pediram para ser cremados, na condição de que tal escolha não seja querida “como a negação dos dogmas cristãos, ou num espírito sectário, ou ainda, por ódio contra a religião católica e à Igreja”. [1] Esta mudança da disciplina eclesiástica foi consignada no Código de Direito Canônico (1983) e no Código dos Cânones da Igreja Oriental (1990).

Entretanto, a prática da cremação difundiu-se bastante em muitas nações e, ao mesmo tempo, difundem-se, também, novas ideias contrastantes com a fé da Igreja. Depois de a seu tempo se ter ouvido a Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, o Pontifício Conselho para os Textos Legislativos e numerosas Conferências Episcopais e Sinodais dos bispos das Igrejas Orientais, a Congregação para a Doutrina da Fé considerou oportuno publicar uma nova Instrução, a fim de repôr as razões doutrinais e pastorais da preferência a dar à sepultura dos corpos e, ao mesmo tempo, dar normas sobre o que diz respeito à conservação das cinzas no caso da cremação.

2. A ressurreição de Jesus é a verdade culminante da fé cristã, anunciada come parte fundamental do Mistério pascal desde as origens do cristianismo: “Transmiti-vos em primeiro lugar o que eu mesmo recebi: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras, e apareceu a Pedro e depois aos Doze” (1 Cor 15, 3-5).

Pela sua morte e ressurreição, Cristo libertou-nos do pecado e deu-nos uma vida nova: “como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, também nós vivemos uma vida nova” (Rom 6, 4). Por outro lado, Cristo ressuscitado é princípio e fonte da nossa ressurreição futura: “Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram….; do mesmo modo que em Adão todos morreram, assim também em Cristo todos serão restituídos à vida” (1 Cor 15, 20-22).

Se é verdade que Cristo nos ressuscitará “no último dia”, é também verdade que, de certa forma já ressuscitamos com Cristo. De fato, pelo Batismo, estamos imersos na morte e ressurreição de Cristo e sacramentalmente assimilados a Ele: “Sepultados com Ele no batismo, também com Ele fostes ressuscitados pela fé que tivestes no poder de Deus, que O ressuscitou dos mortos” (Col 2, 12). Unidos a Cristo pelo Batismo, participamos já, realmente, na vida de Cristo ressuscitado (cf. Ef 2, 6).

Graças a Cristo, a morte cristã tem um significado positivo. A liturgia da Igreja reza: “Para os que crêem em vós, Senhor, a vida não acaba, apenas se transforma; e, desfeita a morada deste exílio terrestre, adquirimos no céu uma habitação eterna”. [2] Na morte, o espírito separa-se do corpo, mas na ressurreição Deus torna a dar vida incorruptível ao nosso corpo transformado, reunindo-o, de novo, ao nosso espírito. Também nos nossos dias a Igreja é chamada a anunciar a fé na ressurreição: “A ressurreição dos mortos é a fé dos cristãos: acreditando nisso somos o que professamos”. [3]

3. Seguindo a antiga tradição cristã, a Igreja recomenda insistentemente que os corpos dos defuntos sejam sepultados no cemitério ou num lugar sagrado. [4]

Ao lembrar a morte, sepultura e ressurreição do Senhor, mistério à luz do qual se manifesta o sentido cristão da morte, [5] a inumação é, antes de mais, a forma mais idônea para exprimir a fé e a esperança na ressurreição corporal. [6]

A Igreja, que como Mãe acompanhou o cristão durante a sua peregrinação terrena, oferece ao Pai, em Cristo, o filho da sua graça e entrega à terra os restos mortais na esperança de que ressuscitará para a glória. [7]

Enterrando os corpos dos fiéis defuntos, a Igreja confirma a fé na ressurreição da carne,[8] e deseja colocar em relevo a grande dignidade do corpo humano como parte integrante da pessoa da qual o corpo compartilha a história. [9] Não pode, por isso, permitir comportamentos e ritos que envolvam concepções errôneas sobre a morte: seja o aniquilamento definitivo da pessoa; seja o momento da sua fusão com a Mãe natureza ou com o universo; seja como uma etapa no processo da reencarnação; seja ainda, como a libertação definitiva da “prisão” do corpo.

Por outro lado, a sepultura nos cemitérios ou noutros lugares sagrados responde adequadamente à piedade e ao respeito devido aos corpos dos fiéis defuntos, que, mediante o Batismo, se tornaram templo do Espírito Santo e dos quais, “como instrumentos e vasos, se serviu santamente o Espírito Santo para realizar tantas boas obras”. [10]

O justo Tobias é elogiado pelos méritos alcançados junto de Deus por ter enterrado os mortos, [11] e a Igreja considera a sepultura dos mortos como uma obra de misericórdia corporal. [12]

Ainda mais, a sepultura dos corpos dos fiéis defuntos nos cemitérios ou noutros lugares sagrados favorece a memória e a oração pelos defuntos da parte dos seus familiares e de toda a comunidade cristã, assim como a veneração dos mártires e dos santos.

Mediante a sepultura dos corpos nos cemitérios, nas igrejas ou em lugares específicos para tal, a tradição cristã conservou a comunhão entre os vivos e os mortos e opõe-se à tendência a esconder ou privatizar o acontecimento da morte e o significado que ela tem para os cristãos.

4. Onde por razões de tipo higiênico, econômico ou social se escolhe a cremação; escolha que não deve ser contrária à vontade explícita ou razoavelmente presumível do fiel defunto, a Igreja não vê razões doutrinais para impedir tal práxis; uma vez que a cremação do cadáver não toca o espírito e não impede à onipotência divina de ressuscitar o corpo. Por isso, tal fato, não implica uma razão objetiva que negue a doutrina cristã sobre a imortalidade da alma e da ressurreição dos corpos. [13]

A Igreja continua a preferir a sepultura dos corpos uma vez que assim se evidencia uma estima maior pelos defuntos; todavia, a cremação não é proibida, “a não ser que tenha sido preferida por razões contrárias à doutrina cristã”. [14]

Na ausência de motivações contrárias à doutrina cristã, a Igreja, depois da celebração das exéquias, acompanha a escolha da cremação seguindo as respectivas indicações litúrgicas e pastorais, evitando qualquer tipo de escândalo ou de indiferentismo religioso.

5. Quaisquer que sejam as motivações legítimas que levaram à escolha da cremação do cadáver, as cinzas do defunto devem ser conservadas, por norma, num lugar sagrado, isto é, no cemitério ou, se for o caso, numa igreja ou num lugar especialmente dedicado a esse fim determinado pela autoridade eclesiástica.

Desde o início os cristãos desejaram que os seus defuntos fossem objeto de orações e de memória por parte da comunidade cristã. Os seus túmulos tornaram-se lugares de oração, de memória e de reflexão. Os fiéis defuntos fazem parte da Igreja, que crê na comunhão “dos que peregrinam na terra, dos defuntos que estão levando a cabo a sua purificação e dos bem-aventurados do céu: formam todos uma só Igreja”. [15]

A conservação das cinzas num lugar sagrado pode contribuir para que não se corra o risco de afastar os defuntos da oração e da recordação dos parentes e da comunidade cristã. Por outro lado, deste modo, se evita a possibilidade de esquecimento ou falta de respeito que podem acontecer, sobretudo depois de passar a primeira geração, ou então cair em práticas inconvenientes ou supersticiosas.

6. Pelos motivos mencionados, a conservação das cinzas em casa não é consentida. Em casos de circunstâncias gravosas e excepcionais, dependendo das condições culturais de caráter local, o Ordinário, de acordo com a Conferência Episcopal ou o Sínodo dos Bispos das Igrejas Orientais, poderá autorizar a conservação das cinzas em casa. As cinzas, no entanto, não podem ser divididas entre os vários núcleos familiares e deve ser sempre assegurado o respeito e as adequadas condições de conservação das mesmas

7. Para evitar qualquer tipo de equívoco panteísta, naturalista ou niilista, não seja permitida a dispersão das cinzas no ar, na terra ou na água ou, ainda, em qualquer outro lugar. Exclui-se, ainda a conservação das cinzas cremadas sob a forma de recordação comemorativa em peças de joalharia ou em outros objetos, tendo presente que para tal modo de proceder não podem ser adotadas razões de ordem higiênica, social ou econômica a motivar a escolha da cremação.

8. No caso do defunto ter claramente manifestado o desejo da cremação e a dispersão das mesmas na natureza por razões contrárias à fé cristã, devem ser negadas as exéquias, segundo o direito. [16]


O Sumo Pontífice Francisco, na Audiência concedida ao abaixo-assinado, Cardeal Prefeito, em 18 de Março de 2016, aprovou a presente Instrução, decidida na Sessão Ordinária desta Congregação em 2 de Março de 2016, e ordenou a sua publicação.


Roma, Congregação para a Doutrina da Fé, 15 de Agosto de 2016, 

 Gerhard Card. Müller
Prefeito


[1] AAS 56 (1964), 822-823.

[2] Missal Romano, Prefácio dos Defuntos I.

[3] Tertuliano, De resurrectione carnis, 1,1: CCL 2, 921.

[4] Cf. CDC, can. 1176, § 3; can. 1205; CCIO, can. 876, § 3; can. 868.


[6] Cf. CDC, can. 1176, § 3; can. 1205; CCIO, can. 876, § 3; can. 868.

[7] Cf. 1 Cor 15,42-44; Catecismo da Igreja Católica, n. 1683.

[8] Cf. Santo Agostinho, De cura pro mortuis gerenda, 3, 5: CSEL 41, 628.

[9] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Constituição pastoral Gaudium et spes, n. 14.

[10] Cf. Santo Agostinho, De cura pro mortuis gerenda, 3, 5: CSEL 41, 627.

[11] Cf. Tb 2, 9; 12, 12.


[13] Cf. Suprema e Sagrada Congregação do Santo Ofício, Instrução Piam et constantem, de 5 de Julho de 1963: AAS 56 (1964), 822.

[14] CDC, can. 1176, §3; cf. CCIO, can. 876, §3.


[16] CDC, can. 1184; CCIO, can. 876, § 3.


29 de julho de 2022

Mensagem de Sua Santidade Papa Francisco para a celebração do Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação em 01 de setembro de 2022.

 

Queridos irmãos e irmãs!

«Escuta a voz da criação» é o tema e o convite do «Tempo da Criação» deste ano. O período ecumênico começa no dia 1 de setembro com o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação e termina a 4 de outubro com a festa de São Francisco. É um momento especial para todos os cristãos, a fim de orarmos e cuidarmos, juntos, da nossa casa comum. Inspiração originária do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, este «Tempo» é uma oportunidade para aperfeiçoarmos a nossa «conversão ecológica», uma conversão encorajada por São João Paulo II como resposta à «catástrofe ecológica» pressagiada por São Paulo VI já em 1970. [1]

Se se aprende a escutá-la, notamos uma espécie de dissonância na voz da criação. Por um lado, é um canto doce que louva o nosso amado Criador; por outro, é um grito amargo que se lamenta dos nossos maus-tratos humanos.

O canto doce da criação convida-nos a praticar uma «espiritualidade ecológica» (Francisco, Carta enc. Laudato si', 216), atenta à presença de Deus no mundo natural. É um convite a fundar a nossa espiritualidade na «consciência amorosa de não estar separado das outras criaturas, mas de formar com os outros seres do universo uma estupenda comunhão universal» (ibid., 220). Particularmente para os discípulos de Cristo, esta experiência luminosa reforça a consciência de que «por Ele é que tudo começou a existir; e sem Ele nada veio à existência» (Jo 1, 3). 

Neste «Tempo da Criação», retomemos a oração na grande catedral da criação, gozando do «grandioso coro cósmico» [2] de inúmeras criaturas que cantam louvores a Deus. Unamo-nos a São Francisco de Assis cantando «Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas» (cf. Cântico do Irmão Sol). Unamo-nos ao Salmista cantando «Todo o ser vivo louve o Senhor» ( Sl 150, 6).

Esta canção doce, infelizmente, é acompanhada por um grito amargo. Ou melhor, por um coro de gritos amargos. Primeiro, é a irmã Madre Terra que grita. À mercê dos nossos excessos consumistas, geme implorando para pararmos com os nossos abusos e a sua destruição. Depois gritam as diversas criaturas. 

À mercê de um «antropocentrismo despótico» (Laudato si', 68), nos antípodas da centralidade de Cristo na obra da criação, estão a extinguir-se inúmeras espécies, cessando para sempre os seus hinos de louvor a Deus. Mas gritam também os mais pobres entre nós. Expostos à crise climática, sofrem mais severamente o impacto de secas, inundações, furacões e vagas de calor que se vão tornando cada vez mais intensas e frequentes. E gritam ainda os nossos irmãos e irmãs de povos indígenas. 

Por causa de predatórios interesses econômicos, os seus territórios ancestrais são invadidos e devastados por todo o lado, lançando «um clamor que brada ao céu» (Francisco, Exortação Apóstólica Pós-sinodal Querida Amazonia, 9). Enfim gritam os nossos filhos. Ameaçados por um egoísmo míope, os adolescentes pedem-nos ansiosamente, a nós adultos, que façamos todo o possível para prevenir ou pelo menos limitar o colapso dos ecossistemas do nosso planeta.

Escutando estes gritos amargos, devemo-nos arrepender e mudar os estilos de vida e os sistemas danosos. O apelo evangélico inicial – «Convertei-vos, porque está próximo o Reino do Céu» (Mt 3, 2) –, ao convidar a uma nova relação com Deus, pede também uma relação diferente com os outros e com a criação. O estado de degrado da nossa casa comum merece a mesma atenção que outros desafios globais, como as graves crises sanitárias e os conflitos bélicos. «Viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspeto secundário da experiência cristã, mas parte essencial duma existência virtuosa» (Laudato si', 217).

Como pessoas de fé, sentimo-nos ainda mais responsáveis por adotar comportamentos diários em consonância com a referida exigência de conversão. Mas esta não é apenas individual: «a conversão ecológica, que se requer para criar um dinamismo de mudança duradoura, é também uma conversão comunitária» (ibid., 219). Nesta perspetiva, a própria comunidade das nações é chamada a empenhar-se, com espírito de máxima cooperação, especialmente nos encontros das Nações Unidas dedicados à questão ambiental.

A cimeira COP 27 sobre o clima, que se vai realizar no Egito em novembro de 2022, constitui a próxima oportunidade para promover, todos juntos, uma eficaz implementação do Acordo de Paris. Também por este motivo dispus recentemente que a Santa Sé, em nome e por conta do Estado da Cidade do Vaticano, adira à Convenção-Quadro da ONU sobre as Mudanças Climáticas e ao Acordo de Paris, com a esperança de que a humanidade do século XXI «possa ser lembrada por ter assumido com generosidade as suas graves responsabilidades» (ibid., 165). 

Alcançar o objetivo de Paris de limitar o aumento da temperatura a 1,5°C é bastante árduo e requer uma colaboração responsável entre todas as nações para apresentar planos climáticos ou Contribuições Determinadas a nível nacional mais ambiciosos, para reduzir a zero, com a maior urgência possível, as emissões globais dos gases de efeito estufa. Trata-se de «converter» os modelos de consumo e produção, bem como os estilos de vida, numa direção mais respeitadora da criação e do progresso humano integral de todos os povos presentes e futuros, um progresso fundado na responsabilidade, na prudência/precaução, na solidariedade e atenção aos pobres e às gerações futuras. 

Na base de tudo, deve estar a aliança entre o ser humano e o meio ambiente que, para nós crentes, é «espelho do amor criador de Deus, de Quem provimos e para Quem estamos a caminho». [3] A transição realizada por esta conversão não pode negligenciar as exigências da justiça, especialmente para com os trabalhadores mais afetados pelo impacto das mudanças climáticas.

Por sua vez, a cimeira COP 15 sobre a biodiversidade, que terá lugar no Canadá em dezembro, proporcionará à boa vontade dos Governos uma oportunidade importante para adotarem um novo acordo multilateral para deter a destruição dos ecossistemas e a extinção das espécies. Segundo a antiga sabedoria dos Jubileus, temos necessidade de «recordar, regressar, repousar e restaurar». [4] 

Para impedir um colapso ainda mais grave da «rede da vida» – Biodiversidade – que Deus nos concedeu, rezemos e convidemos as nações a porem-se de acordo sobre quatro princípios-chave: 

1º. ⇒ Construir uma base ética clara para a transformação que precisamos a fim de salvar a biodiversidade

2º. ⇒ Lutar contra a perda de biodiversidade, apoiar a sua conservação e recuperação e satisfazer de forma sustentável as necessidades das pessoas

3º. ⇒ Promover a solidariedade global, tendo em vista que a biodiversidade é um bem comum global que requer um empenho compartilhado

4º. ⇒ Colocar no centro as pessoas em situações de vulnerabilidade, incluindo as mais afetadas pela perda de biodiversidade, como as populações indígenas, os idosos e os jovens.

Repito: «Quero pedir, em nome de Deus, às grandes empresas extrativas – mineiras, petrolíferas, florestais, imobiliárias, agro-alimentares – que deixem de destruir florestas, zonas úmidas e montanhas, que deixem de poluir rios e mares, que deixem de intoxicar as pessoas e os alimentos». [5]

É impossível não reconhecer a existência duma «dívida ecológica» (Laudato si', 51) das nações economicamente mais ricas, que poluíram mais nos últimos dois séculos; isso exige que elas realizem passos mais ambiciosos tanto na COP 27 como na COP 15. Além duma decidida ação dentro das suas fronteiras, inclui cumprir as suas promessas de apoio financeiro e técnico às nações economicamente mais pobres, que já sofrem o peso maior da crise climática. 

Além disso, seria oportuno pensar urgentemente também num maior apoio financeiro para a conservação da biodiversidade. Significativas, embora «diversificadas» (cf. ibid., 52), são também as responsabilidades dos países economicamente menos ricos; os atrasos dos outros não podem jamais justificar a inação de quem quer que seja. É necessário agirem todos, com decisão. Estamos a chegar a «um ponto de ruptura» (cf. ibid., 61).

Durante este «Tempo da Criação», rezemos para que as cimeiras COP 27 e COP 15 possam unir a família humana (cf. ibid., 13) para enfrentar decididamente a dupla crise do clima e da redução da biodiversidade. Recordando a exortação de São Paulo para nos alegrar com os que se alegram e chorar com os que choram (cf. Rm 12, 15), choremos com o grito amargo da criação, escutemo-lo e respondamos com os fatos para que nós e as gerações futuras possamos ainda alegrar-nos com o canto doce de vida e de esperança das criaturas.


Roma, São João de Latrão, na Memória de Nossa Senhora do Carmo, dia 16 de julho de 2022.

FRANCISCO





[1] Cf. Discurso à FAO, 16 de novembro de 1970.

[2] São João Paulo II, Audiência Geral, 10 de julho de 2002.



[5] Vídeo-mensagem aos Movimentos Populares, 16 de outubro de 2021.

15 de julho de 2022

Mensagem do Santo Padre aos participantes na conferência "Resiliência de Pessoas e Ecossistemas sob Estresse Climático" - Casina Pio IV, 13-14 jul. 2022.


Saúdo cordialmente os organizadores e participantes da "Conferência sobre Resiliência de Pessoas e Ecossistemas sob Estresse Climático", promovida pela Pontifícia Academia de Ciências. Agradeço a Sua Eminência o Cardeal Peter Turkson, Chanceler da Academia, Sua Excelência Dom Marcelo Sánchez Sorondo e a todos os responsáveis ​​por tornar possível este encontro.

O fenômeno das mudanças climáticas tornou-se uma emergência que não permanece mais à margem da sociedade. Em vez disso, assumiu um lugar central, remodelando não apenas os sistemas industriais e agrícolas, mas também afetando negativamente a família humana global, especialmente os pobres e aqueles que vivem nas periferias econômicas do nosso mundo. Atualmente, enfrentamos dois desafios: diminuir os riscos climáticos através da redução das emissões e ajudar e capacitar as pessoas a se adaptarem às mudanças climáticas que se agravam progressivamente. Esses desafios nos chamam a pensar em uma abordagem multidimensional para proteger os indivíduos e o nosso planeta.

A fé cristã oferece uma contribuição particular neste sentido. O livro do Gênesis diz-nos que o Senhor viu que tudo o que tinha feito era muito bom (cf. Gn 1,31) e confiou aos homens a responsabilidade de serem administradores do seu dom da criação (cf. Gn 2,15). No Evangelho de Mateus, Jesus reforça a bondade do mundo natural, lembrando-nos do cuidado de Deus por todas as suas criaturas (cf. Mt 6:26.28-29). À luz desses ensinamentos bíblicos, então, cuidar da nossa casa comum, mesmo sem considerar os efeitos das mudanças climáticas, não é simplesmente um esforço utilitário, mas uma obrigação moral para todos os homens e mulheres como filhos de Deus. Com isso em mente, cada um de nós deve se perguntar: “Que tipo de mundo queremos para nós mesmos e para aqueles que virão depois de nós”?

Para ajudar a responder a essa pergunta, falei de uma “conversão ecológica” (cf. Laudato Si’, 216-221) que exige uma mudança de mentalidade e um compromisso de trabalhar pela resiliência das pessoas e dos ecossistemas em que vivem. Esta conversão tem três elementos espirituais importantes que eu gostaria de oferecer para sua consideração. A primeira implica gratidão pelo dom amoroso e generoso da criação de Deus. A segunda exige reconhecer que estamos unidos em uma comunhão universal uns com os outros e com o resto das criaturas do mundo. A terceira envolve abordar os problemas ambientais não como indivíduos isolados, mas em solidariedade como uma comunidade.

Com base nesses elementos, são necessários esforços corajosos, cooperativos e visionários entre os líderes religiosos, políticos, sociais e culturais em nível local, nacional e internacional para encontrar soluções concretas para os graves e crescentes problemas que enfrentamos. Estou pensando, por exemplo, no papel que as nações mais favorecidas economicamente podem desempenhar na redução de suas próprias emissões e na prestação de assistência financeira e tecnológica para que as áreas menos prósperas do mundo sigam seu exemplo. Também é crucial o acesso a energia limpa e água potável, o apoio dado aos agricultores de todo o mundo para a mudança para uma agricultura resiliente ao clima, o compromisso com caminhos sustentáveis ​​de desenvolvimento e estilos de vida sóbrios destinados a preservar os recursos naturais do mundo e o fornecimento de educação e saúde aos mais pobres e vulneráveis ​​da população global.

Aqui, gostaria de mencionar também duas preocupações adicionais: a perda de biodiversidade (cf. Laudato Si', 32-33) e as muitas guerras travadas em várias regiões do mundo que, juntas, trazem consigo consequências prejudiciais para a sobrevivência e o bem-estar humanos, incluindo problemas de segurança alimentar e poluição crescente. Essas crises, juntamente com a do clima da Terra, mostram que “tudo está conectado” (Fratelli Tutti, 34) e que promover o bem comum de longo prazo de nosso planeta é essencial para uma genuína conversão ecológica.

Pelas razões acima mencionadas, aprovo recentemente que a Santa Sé, em nome e em nome do Estado da Cidade do Vaticano, adere à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e ao Acordo de Paris, com a esperança de que “embora a pós-industrial pode muito bem ser lembrado como um dos mais irresponsáveis ​​da história, mas há motivos para esperar que a humanidade no alvorecer do século XXI seja lembrada por ter assumido generosamente suas graves responsabilidades (Laudato Si', 165).

Queridos irmãos e irmãs, apraz-me que seu trabalho nestes dias se dedique a examinar o impacto das mudanças em nosso clima e buscar soluções práticas que possam ser implementadas prontamente para aumentar a resiliência das pessoas e dos ecossistemas. Trabalhando juntos, homens e mulheres de boa vontade podem abordar a escala e a complexidade das questões que estão diante de nós, proteger a família humana e o dom da criação de Deus dos extremos climáticos e promover os bens da justiça e da paz.

Com a certeza das minhas orações para que a vossa Conferência dê bons frutos, invoco sobre todos vós as abundantes bênçãos de Deus Todo-Poderoso.


Vaticano, 13 de julho de 2022.
Papa Francisco



1 de julho de 2022

Mensagem do Papa Francisco por ocasião da 1ª. Reunião dos Estados-parte no Tratado sobre a Proibição das Armas Nucleares


Carta apresentada por Dom Paul R. Gallagher
Secretário para as Relações com os Estados e as Organizações Internacionais da Missão da Santa Sé na ONU  

À Sua Excelência, o Embaixador
Alexander Kmentt
Presidente da Primeira  Reunião dos Estados-Partes
no Tratado sobre a proibição  das armas nucleares


Estou feliz por saudar Vossa Excelência e os distintos participantes por ocasião desta primeira Reunião dos Estados-Partes no Tratado sobre a proibição das armas nucleares.

Na minha mensagem à conferência diplomática convocada há cinco anos para negociar este Tratado, perguntei: «Por que estabelecer este exigente e clarividente objetivo no atual cenário internacional caraterizado por um clima instável de conflitualidade, que é ao mesmo tempo causa e indicação das dificuldades que se encontram ao promover e fortalecer o processo de desarmamento e de não proliferação nucleares?» (Mensagem para a Conferência das Nações Unidas finalizada a negociar um instrumento juridicamente vinculante para proibir as armas nucleares, que leve à sua total eliminação, 23 de março de 2017).

Neste momento particular da história, em que o mundo parece estar numa encruzilhada, a visão corajosa deste instrumento jurídico, fortemente inspirado por argumentações éticas e morais, parece ainda mais oportuna. Com efeito, esta reunião tem lugar num momento que, inevitavelmente, exige mais reflexão sobre a segurança e a paz. No contexto atual, falar de desarmamento ou apoiá-lo pode parecer paradoxal para muitos. No entanto, devemos permanecer conscientes dos perigos de abordagens míopes da segurança nacional e internacional e dos riscos de proliferação. Como todos sabemos, se não o fizermos, o preço será inevitavelmente pago por um número de vidas inocentes tiradas, e medido em termos de carnificina e destruição. Por conseguinte, renovo enfaticamente o meu apelo a fazer silenciar todas as armas e a eliminar as causas dos conflitos através do recurso incansável à negociação: «Quem faz a guerra esquece a humanidade» (Pós-Angelus , 27 de fevereiro de 2022).

A paz é indivisível, e para ser verdadeiramente justa e duradoura, deve ser universal. É um modo de raciocinar enganador e contraproducente pensar que a segurança e a paz de uns estão separadas da segurança coletiva e da paz de outros. É também uma das lições que a pandemia da Covid-19 demonstrou tragicamente. «A segurança do nosso próprio futuro depende da garantia da segurança pacífica dos outros, pois se a paz, a segurança e a estabilidade não forem fundadas no plano global, jamais serão gozadas. Somos responsáveis individual e coletivamente pelo bem-estar, quer presente quer futuro, dos nossos irmãos e irmãs» (Mensagem por ocasião da Conferência sobre o impacto humanitário das armas nucleares , 07 de dezembro de 2014).

A Santa Sé está certa de que um mundo livre de armas nucleares é necessário e ao mesmo tempo possível. Num sistema de segurança coletiva, não há lugar para armas nucleares e outras armas de destruição de massa. Com efeito, «se tomarmos em consideração as principais ameaças contra a paz e a segurança, com as suas múltiplas dimensões neste mundo multipolar do século XXI , como por exemplo o terrorismo, os conflitos assimétricos, a segurança informática, as problemáticas ambientais, a pobreza, muitas dúvidas emergem acerca da insuficiência da dissuasão nuclear para responder de modo eficaz a tais desafios. Estas preocupações assumem ainda mais consistência quando consideramos as catastróficas consequências humanitárias e ambientais que derivam de qualquer utilização das armas nucleares com efeitos devastadores indiscriminados e incontroláveis no tempo e no espaço» (Mensagem para a Conferência das Nações Unidas finalizada a negociar um instrumento juridicamente vinculante para proibir as armas nucleares, que leve à sua total eliminação, 23 de março de 2017).  Também não podemos ignorar a precariedade que deriva da simples manutenção destas armas: o risco de acidentes, involuntários ou não, que poderiam conduzir a cenários verdadeiramente preocupantes.

As armas nucleares são uma responsabilidade pesada e perigosa. Representam um “multiplicador de risco” que proporciona apenas a ilusão de uma “espécie de paz”. Desejo reafirmar aqui que a utilização de armas nucleares, bem como a sua mera posse, é imoral. Procurar defender e garantir a estabilidade e a paz através de uma falsa sensação de segurança e de um “equilíbrio do terror”, sustentado por uma mentalidade de medo e desconfiança, conduz inevitavelmente a relações envenenadas entre os povos e dificulta qualquer forma possível de verdadeiro diálogo. A sua posse leva facilmente a ameaças da sua utilização, tornando-se uma espécie de “chantagem” que deveria ser abominável para as consciências da humanidade.

A este respeito, «todos devem estar convencidos de que nem a renúncia à competição militar, nem a redução dos armamentos, nem a sua completa eliminação, que seria o principal, de modo algum se pode levar a efeito, se não se proceder a um desarmamento integral, que atinja o próprio espírito, isto é, se não trabalharem todos em concórdia e sinceridade, para afastar o medo e a psicose de uma possível guerra» (Papa João XXIII , Pacem in terris ).

Por estas razões, é importante reconhecer a necessidade global e premente da responsabilidade a diferentes níveis. Tal responsabilidade é partilhada por todos e abrange dois níveis: em primeiro lugar, um nível público, como Estados-membros da mesma família de nações. Em segundo lugar, um nível pessoal, como indivíduos e membros da mesma família humana e como pessoas de boa vontade. Qualquer que seja o nosso papel ou status, a cada um de nós correspondem vários níveis de responsabilidade: como podemos eventualmente imaginar de apertar o botão para lançar uma bomba nuclear? Como podemos, em boa consciência, empenhar-nos em modernizar os arsenais nucleares? É oportuno que este Tratado reconheça também que a educação para a paz pode desempenhar um papel importante, ajudando os jovens a tomar consciência dos riscos e consequências das armas nucleares para as gerações presentes e futuras.

Os tratados de desarmamento existentes são muito mais do que meras obrigações jurídicas. São também compromissos morais baseados na confiança entre Estados e entre os seus representantes, enraizados na confiança que os cidadãos depositam nos seus governos, com consequências éticas para as gerações presentes e futuras da humanidade. A adesão e o respeito pelos acordos internacionais de desarmamento e pelo direito internacional não são uma forma de fraqueza. Pelo contrário, constituem uma fonte de força e de responsabilidade, uma vez que aumentam a confiança e a estabilidade. Além disso, como no caso deste Tratado, oferecem cooperação e assistência internacional às vítimas e também ao meio ambiente: aqui o meu pensamento dirige-se aos Hibakusha, os sobreviventes dos bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki, e a todas as vítimas dos testes de armas nucleares.

Concluindo, ao lançar as bases para a implementação deste Tratado, desejo encorajar-vos, representantes dos Estados, organizações internacionais e sociedade civil, a prosseguir no caminho que escolhestes para promover uma cultura de vida e paz baseada na dignidade da pessoa humana e na consciência de que somos todos irmãos e irmãs. Por sua vez, a Igreja católica permanece irrevogavelmente empenhada em promover a paz entre povos e nações e em incentivar a educação para a paz através das suas instituições. Este é um dever ao qual a Igreja se sente vinculada perante Deus e todos os homens e mulheres do nosso mundo. Possa o Senhor abençoar cada um de vós e os vossos esforços ao serviço da justiça e da paz.


Francisco




Nota do blog extraídas da Pacem in Terris:

"É-nos igualmente doloroso constatar como em estados economicamente mais desenvolvidos se fabricaram e ainda se fabricam gigantescos armamentos. Gastam-se nisso somas enormes de recursos materiais e energias espirituais. Impõem-se sacrifícios nada leves aos cidadãos dos respectivos países, enquanto outras nações carecem da ajuda indispensável ao próprio desenvolvimento econômico e social".

"A todo custo se deverá evitar que pela terceira vez desabe sobre a humanidade a desgraça de uma guerra mundial, com suas imensas catástrofes econômicas e sociais e com as suas muitas depravações e perturbações morais".



27 de junho de 2022

Na Suíça, jovens encenam a Laudato Si' com música


por Adélaïde Patrignani 
(Vatican News, 22.06.2022)

O apelo do Papa Francisco à ecologia integral não os deixou indiferentes. No Cantão de Valais, no sul da Suíça, onde se cresce entre picos e vinhedos, alguns jovens católicos fizeram a mensagem do Papa Francisco ressoar através do instrumento da arte.

Benjamin Bender e Guillaume Délèze têm 23 anos. O primeiro é um ator profissional, engajado com crianças e jovens, o segundo estuda filosofia e musicologia na Universidade de Freiburg e compõe no piano há dez anos. Cada um deles colocou seus talentos em prática para dar uma forma particular à Laudato Si', encíclica sobre a salvaguarda da Casa Comum publicada em 2015.


Gênesis de um espetáculo


Os projetos dos jovens começam a tomar forma mesmo antes da pandemia do coronavírus. Em Valais, muitos jovens católicos frequentam a rede DJP "(Déjeune qui prie) ou (Toma café quem reza)", que desde 1997 oferece um encontro nas manhãs de sábado para rezar juntos as Laudes e depois tomar café da manhã juntos. Os DJP se realizam na Diocese de Sion, mas também incluem outros eventos como o Open Sky Festival, que se realiza a cada dois anos na cidade de Fully e acolhe cerca de 1.500 jovens católicos reunidos em alguns dias de oração, concertos e testemunhos.

Por ocasião da última edição de 2019, um espetáculo amador repercorreu a vida do Beato Pier Giorgio Frassati. O sucesso alcançado por essa representação levou ao planejamento de um novo espetáculo para a edição sucessiva do festival, em 2021, ou seja, no Ano Laudato Si’ proclamado pelo Papa Francisco: e com isso também foi encontrado o tema do espetáculo.

"Enfrentamos um desafio incrível", admite Benjamin, que se engajou ativamente no projeto junto com outros jovens voluntários. "Tivemos que produzir arte a partir de um texto teórico, a partir de uma encíclica": não tivemos escolha a não ser enfrentar o desafio concretamente. Os autores muito jovens foram em busca daqueles que colocam a Laudato si' em prática todos os dias: um monge da abadia cistercense de Hauterive, um fazedor de cestas", personagens do espetáculo em todos os aspectos.

Depois, a pandemia interrompeu um pouco o projeto. A edição de 2021 do Festival Open Sky foi adiada, mas "isso nos deu um pouco mais de tempo para aprofundarmos melhor o que queríamos transmitir como mensagem", diz Benjamin. O trabalho de escrever a peça comprometeu o grupo por um ano e meio.

Ao longo dos meses, a trupe aumentou e agora inclui uma dezena de atores, figurantes, um coral de jovens da aldeia de Bramois e voluntários: no total, mais de trinta jovens entre 16 e 22 anos.




Evangelizar através da música

Em vez disso, o grupo formado por Guillaume é menor – oito jovens de Valais – mas o dinamismo e a ambição não faltam. Os membros – cada um deles toca instrumentos tradicionais e instrumentos mais modernos – se conheceram no grupo paroquial que anima a missa uma vez por mês. 

Então eles decidiram fundar a Écho – para evangelizar à maneira deles. "Em nossas canções queremos falar sobre nossa fé da mesma forma que poderíamos falar sobre isso com pessoas de fora da fé", resume Guillaume. Em sua primeira música eles quiseram falar sobre ecologia. O jovem estudou profundamente o documento do Papa e escreveu a letra da música, partindo do que "mais o impressionou".

Também neste caso, a pandemia modificou as etapas inicialmente planejadas; mas Covid ou não, o principal obstáculo continua sendo "a agenda de cada indivíduo", observa Guillaume. Apesar de tudo, os jovens tiveram muitos incentivos sobre seu projeto e isso é um grande estímulo para perseverar, especialmente porque várias músicas já estão sendo preparadas.


O caminho da santidade


Não há presunção por trás dos esforços artísticos dos jovens de Valais, mas sim o desejo de alcançar o coração das pessoas neste exato momento em que os desafios ambientais e sociais estão batendo à porta do tranquilo cantão suíço. Enquanto os valores tradicionais são maltratados, a Igreja quer indicar referências e abrir horizontes ousados a partir do Evangelho.

"A Laudato si' não é apenas uma bela escrita do Papa: é um apelo dirigido a todos nós", explica Benjamin. "Essa encíclica é um patrimônio. Não basta lê-la, temos que colocá-la em prática". "A montanha dá de viver a muitas pessoas em Valais, mas estamos destruindo-a", ressalta Benjamin. "Da mesma forma, devemos reavaliar as riquezas que os idosos nos transmitem, para alcançar uma sobriedade serena": assim diz, o jovem ator, referindo-se a uma região em que os laços intergeracionais, embora permaneçam fortes, têm a tendência a se afrouxar.

Benjamin insiste no envolvimento de todos para uma ecologia integral. "Os jovens são muito comprometidos, mas é necessário nos comprometer todos juntos", ressalta ele, também observando que "na Igreja e entre os adultos as coisas se arrastam um pouco...". Aprofundar esse compromisso é sinal de um verdadeiro caminho de fé: "Aproxima-se ao conceito da santidade da porta ao lado, ou seja, cuidar dos nossos vizinhos, das nossas relações, do que nos circunda", acrescenta o jovem. "A santidade da porta ao lado", a que o Papa fala na Exortação apostólica Gaudete et exsultate: este testemunho está particularmente próximo ao coração de Florian, outro jovem ator do grupo.

Os músicos de Écho – dos quais vários, como Guillaume, também participaram do espetáculo musical de Benjamin e se deram "três objetivos: fazer uma bela música, levar uma mensagem de fé e poder ajudar com dinheiro quem mais precisa".

Os trabalhos produzidos são, no momento, divulgados através do YouTube, mas os jovens gostariam de vender suas músicas para arrecadar fundos para as associações. Para isso criaram a etiqueta "Dreamsailer Music", que inclui o grupo Écho e outros projetos musicais geridos por Guillaume, com esse propósito de caridade.


Perspectivas são delineadas


Finalmente, após meses de comprometimento paciente e criativo, os sonhos começam a se tornar realidade. Em outubro do ano passado, foi lançado o primeiro título de Écho, "Harmonie", com um clipe filmado na paisagem rochosa e verdejante do Vale do Rhone, que sozinho fala da beleza da Criação.

Quatro garotas, as cantoras, um violino, um trombone, um piano e uma bateria: o grupo é heteróclito, mas o título anuncia o resultado: realmente uma harmonia da qual o grupo de músicos é testemunho com frescor e dinamismo.

Em 12 e 13 de abril, "La Coloc M.C." ("O colega de quarto da Casa Comum") foi apresentado por Benjamin e sua equipe num lugar tão atípico quanto simbólico, se falarmos de ecologia integral: um armazém de frutas perto de Riddes, bem no meio dos pomares. As decorações do armazém são sóbrias e são feitas com materiais reciclados ou recuperados. "Nós nos ancoramos numa realidade sustentável, e isso também nos permite favorecer a realidade local", explica Benjamin.

Mais de 250 espectadores para cada apresentação: um público "realmente entusiasmado", visivelmente impressionado por esses jovens engajados na Igreja e reativos diante dos problemas atuais.

"Nós não apenas fizemos teatro ou realizamos um espetáculo: esta é realmente uma aventura humana", continua o jovem ator de Valais, também observando que muitos de seus companheiros amadureceram no decorrer deste projeto. "Todos estão prontos para partir novamente para a aventura", mas no momento ainda não há um projeto definido.

Outros ainda aceitarão o chamado da Laudato Si' para colocá-la em prática: na verdade, após a segunda apresentação, foi instituído um prêmio Laudato Si', destinado a apoiar financeiramente os projetos de ecologia integral na região. Christian Thurre, diácono permanente e delegado de ecologia da Diocese de Sion, concedeu o primeiro prêmio a um grupo que pretende transformar um terreno de 900m² numa área de permacultura com um projeto social que gira em torno de uma guarita. 

O segundo prêmio – o prêmio de incentivo – foi concedido ao Grupo Écho. A Igreja em Valais está determinada a confiar na criatividade dos jovens para que sua mensagem se encarne numa sociedade que precisa de testemunhas apaixonadas e coerentes.