Gostei bastante deste texto... Muito tempo irá passar até que o teor da encíclica seja adequadamente compreendido.
"Que alguns usem o ativismo ambiental para promover suas próprias agendas econômicas, anti-humanitárias ou panteístas; isto não torna a luta pelo meio ambiente alguma coisa em si mesmo anticristã. Exatamente o contrário, nos diz o papa – isto torna ainda mais necessário devolver a esta luta sua verdadeira face humana".
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"Que alguns usem o ativismo ambiental para promover suas próprias agendas econômicas, anti-humanitárias ou panteístas; isto não torna a luta pelo meio ambiente alguma coisa em si mesmo anticristã. Exatamente o contrário, nos diz o papa – isto torna ainda mais necessário devolver a esta luta sua verdadeira face humana".
Por Paulo Vasconcelos Jacobina
Em certo almoço que reunia membros da Câmara para o Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal, estávamos num diálogo com professores de direito ambiental, promotores, advogados, membros de ONGs e procuradores. Ao meu lado, uma professora de direito ambiental, bastante vanguardista na área, me fez uma pergunta pessoal: “O senhor não acha que o planeta terra estaria melhor sem a espécie humana?” E prosseguiu, dando as razões pelas quais ela acreditava que não deveríamos existir, nós os humanos, para o bem do meio ambiente.
Senti-me, naquela mesa de almoço, como que vivendo uma cena do filme “Matrix”, em que o personagem “Agente Smith”, um ser virtual criado pelo computador que domina o mundo, afirma para o personagem humano Morpheus: “O ser humano é uma doença, um câncer deste planeta. Vocês são uma praga, e nós somos a cura”.
O meu primeiro impulso foi o de responder à jovem professora que, se eu pensasse assim, meu próximo e inevitável gesto seria o suicídio. Meu impulso era o de dizer a ela: “Professora, qualquer membro de uma espécie que declara considerar a si mesmo apenas como uma ameaça ao próprio ambiente e às demais espécies, e não comete suicídio imediatamente a esta fala perde qualquer credibilidade...”
Não o fiz: tive medo de que sua fala decorresse de algum tipo de desordem emocional autodestrutiva, e não de uma ideologia ambientalista deturpada pelo anti-humanismo, como parecia ser o caso. Não quis correr o risco de dar ideias suicidas àquela professora. Mas a fala que ela proferiu me fez tomar uma aguda consciência de um viés anti-humanista que se embute em determinadas correntes ambientalistas.
A face política oculta em certa militância ambientalista
Este mesmo viés anti-humanista leva certos extremistas do ambientalismo – que não são parte pequena do métier – a serem, simultaneamente, advogados do aborto (inclusive do aborto compulsório), do controle de natalidade estatal obrigatório, do fim da propriedade privada e das atividades econômicas lucrativas. Tudo isto misturado com uma espiritualidade panteísta profundamente religiosa, profundamente pagã, que traz em si uma divinização do meio ambiente e da natureza. Uma religião desprovida de misericórdia. Como se sabe, o Deus cristão perdoa, mas a natureza não perdoa nunca. Que o demonstrem as grandes tragédias naturais e os tantos pesquisadores e militantes ambientalistas que foram mortos pelos animais que pesquisavam ou cultuavam.
Por outro lado, a religião cristã é vista a partir de sua vertente pós-renascentista, pós-reforma e pós-iluminista, em que pensadores de origem cristã como Francis Bacon, Descartes, Galileo e Newton pregaram a necessidade de domínio e exploração da natureza pela tecnologia científica. Faz-se a crítica do cristianismo, então, como uma religião que não somente permitiu, mas também promoveu o apoderamento da natureza pela ciência e pela economia, promovendo a degradação do meio ambiente em favor da ambição humana.
Curiosamente, o mesmo louvor ao “espírito capitalista protestante” (nas palavras de Max Weber) que serviu para desqualificar a Igreja Católica como atrasada, empobrecedora de países e inimiga do progresso serve agora, em alguns círculos, para descartá-la, junto com o restante do cristianismo, como coadjutora da degradação ambiental contemporânea.
Trata-se, portanto, de um cenário que, se não se pode dizer simplesmente que está dominado , pode-se afirmar sem medo que está impregnado de um amálgama infeliz de marxismo, anti-humanismo, libertarianismo sexual, promoção de autoritarismo estatal, anticristianismo e panteísmo autojustificante.
A Encíclica como sopro de esperança
Neste contexto, a nova Encíclica do Papa Francisco, “Laudato Si”, é uma lufada de vento fresco e despoluído. Forte no seu conteúdo profético, ela resgata uma postura verdadeiramente cristã na relação entre o ser humano e o meio ambiente, navegando com destemor através das correntes que se apoderaram do discurso ambiental para promover suas próprias causas panteístas, marxistas ou anti-humanistas. O Papa esclarece, denuncia e propõe, sempre com coragem, aquilo que deve ser a postura de um verdadeiro cristão frente ao desequilíbrio ambiental que vivemos.
É certo que há um sério risco de que a encíclica “ambiental” seja sequestrada por movimentos muito pouco aconselháveis. Já há quem proclame por aí que o Papa está promovendo mudanças tais na Igreja Católica que, no fundo, o Papa está transformando a Igreja em alguma coisa que já não é a Igreja Católica. Já perdi a conta das mensagens e notícias que recebi, nas redes sociais, com falsas citações atribuídas a ele, de que todas as religiões são iguais, de que qualquer expressão de sexualidade deve ser tida como “amor”, e assim por diante. Para muitos, o Papa é uma espécie de “Dalai Lama” do Ocidente, ou de “Paulo Coelho” de batina branca.
Os princípios para a leitura da Encíclica
Por tudo isto, a Encíclica do Papa deve ser lida com atenção a alguns princípios fundamentais. Em atenção à técnica jesuítica do papa, vou enumerar três, que considero essenciais.
O primeiro princípio é o de que o Papa, embora de fato seja Papa para servir à humanidade inteira, é católico. Portanto, quando ele fala, está falando a partir da mesma Cátedra estabelecida por Jesus para Pedro há dois mil anos. Não se deve esperar, nem é necessário, que ele reafirme em cada documento toda a doutrina católica – ela é pressuposta nos seus escritos.
O Papa é católico. Isto parece tão óbvio que tem uma tendência a ser esquecido. Portanto, não se pode usar o “argumento do silêncio” contra o Papa: aquilo que ele eventualmente silencia não está, digamos, “implicitamente revogado”. Está, isto sim, implicitamente considerado, ou seja subentendido. E nesta Encíclica ele tem um cuidado extremo de resgatar longamente a Doutrina Social da Igreja como estabelecida pelos seus antecessores – a verdadeira doutrina Social da Igreja, não aquela que foi sequestrada pelos teólogos marxistas para seus próprios fins.
Segundo princípio: o da “criaturalidade”. O filósofo alemão Josef Pieper resgatou, em 1977, o conceito de “Kreatürlichkeit”, ou criaturalidade, para dentro do debate filosófico, acusando a filosofia pós-iluminista de tê-lo esquecido em prol de uma “divinização do ser humano” - e mais recentemente, de uma divinização da natureza. Mas o Papa insiste, fortemente, na Encíclica, no princípio da criaturalidade. E o faz a partir de um enfoque fortemente bíblico e apoiando-se de maneira sólida no magistério dos seus antecessores.
O resgate da criaturalidade, em matéria ambiental, traz consigo o resgate do verdadeiro humanismo, que reconhece a centralidade do ser humano, imagem e semelhança de Deus, frente à criação, que encontra nele o seu sentido último: não em qualquer projeto humano, mas naquele que tem sua medida em Jesus, conforme explica a Gaudium et Spes, 22. A raiz de uma atuação ambiental equilibrada, sem influências marxistas, sem panteísmos e sem anti-humanismos, está no capítulo II da Encíclica, em que o Papa põe cuidadosamente estes princípios cristãos que devem pautar a atuação frente à questão ambiental.
O último princípio, o terceiro, é o da responsabilidade. Somos cristãos, estamos no mundo, agir no mundo nos obriga. Não há desculpas para não agirmos, na questão ambiental, em razão dos grandes desvios existentes na militância ambientalista, que apontei acima. Os panteístas, os marxistas, os anti-humanistas, eles não têm o monopólio do assunto; aliás, como a Encíclica demonstra muito bem, eles sequer têm as melhores posições sobre o assunto. A verdadeira ciência, que o Papa Francisco resgata com muita atenção, nos pertence – toda verdade, venha de onde vier, é cristã, já dizia Clemente de Alexandria nos primórdios do cristianismo.
Que alguns usem o ativismo ambiental para promover suas próprias agendas econômicas, anti-humanitárias ou panteístas; isto não torna a luta pelo meio ambiente alguma coisa em si mesmo anticristã. Exatamente o contrário, nos diz o papa – isto torna ainda mais necessário devolver a esta luta sua verdadeira face humana. O abuso não tolhe o uso, diziam os antigos romanos.
A verdadeira preocupação ambiental é amor à criação, não desculpa para promover aborto, raiva à espécie humana, desagregação familiar e combate à propriedade privada dos meios de produção. E a única maneira de fazermos o que devemos é nos engajando nesta luta, firme e destemidamente, com os fundamentos que o Papa agora nos dá.
Fonte: http://www.zenit.org/pt/articles/a-enciclica-laudato-si-e-a-defesa-do-meio-ambiente
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